Quatro anos separam a convenção do PSL que confirmou a candidatura do então deputado federal Jair Bolsonaro à Presidência em 2018 do ato marcado para hoje no Maracanãzinho, no Rio, para oficializar a entrada dele, agora no PL, na briga pela reeleição. A distância entre os dois eventos não é apenas temporal. Quase um mandato depois, Bolsonaro se aliou aos políticos do Centrão que ele próprio atacava, teve de lidar com suspeitas de corrupção em seu governo — episódios que prometia impedir — e agora está no meio de uma disputa entre aliados em torno da melhor estratégia para sair da incômoda segunda posição nas pesquisas, lideradas pelo ex-presidente Lula (PT).
Em 2018, Bolsonaro e seus aliados pregaram tolerância zero a desvios e expuseram um rosário de ataques ao Centrão, bloco partidário capitaneado por PL, PP e Republicanos, conhecido pelo pragmatismo. Ao longo de sua gestão, contudo, o presidente fez concessões. Para formar uma base no Congresso, em nome da governabilidade, filiou-se ao PL e distribuiu cargos a indicados das outras duas siglas que integram o grupo, inclusive o ministério mais estratégico da máquina federal, a Casa Civil, hoje com Ciro Nogueira, cacique do PP. Ao lado do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, Nogueira integra o núcleo duro da campanha. Bolsonaro também apoiou a eleição à presidência da Câmara de Arthur Lira (PP-AL), que tem defendido os interesses do governo na Casa.
Flávio justifica a guinada:
— O presidente precisava de uma base para aprovar as várias coisas que aprovou em três anos e meio. Todos os partidos foram fundamentais, não tem preconceito com relação a isso. Quem tem que dar a resposta se o deputado ou senador (do Centrão) fez um bom trabalho ou não é o eleitor. Não cabe ao presidente fazer esse filtro — disse ao GLOBO.
A convenção realizada quatro anos atrás ficou marcada por uma canção entoada pelo general Augusto Heleno, atual ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional:
— Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão — cantarolou no microfone, fazendo referência à música “Reunião de Bacana”, de Bezerra da Silva, cujo refrão diz: “Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão.”
Discurso autoral
Àquela altura, Bolsonaro tinha em torno de si personagens com quem acabou rompendo, como os deputados Julian Lemos (União-PB) e Luciano Bivar (União-PE), um dos seus adversários na atual batalha pela Presidência. Logo no início do governo, Gustavo Bebianno deixou a Secretaria-Geral da Presidência e se tornou um desafeto após desentendimentos com o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). Depois, juntaram-se à prateleira de ex-aliados outros nomes, como Sergio Moro (União), que deixou o Ministério da Justiça acusando o então chefe de ser conivente com malfeitos, e o general Santos Cruz (Podemos), demitido da Secretaria de Governo num entrevero público com Bolsonaro. Cotada para vice em 2018, Janaina Paschoal se elegeu deputada estadual e se tornou “independente”.
A campanha vitoriosa era escassa de recursos, com pouco tempo de TV — oito segundos no programa eleitoral (neste ano a previsão é de cerca de 3 minutos) — e recheada de retóricas. Bolsonaro gastou R$ 2,8 milhões — a previsão para este ano chega a R$ 88,3 milhões. Um dos principais focos estava no combate à corrupção. Dois anos após as acusações feitas por Moro, em março passado, o próprio presidente exonerou o ministro da Educação, Milton Ribeiro, em meio a denúncias de que pastores intermediavam liberação de recursos da pasta para prefeituras mediante propina. Ribeiro chegou a ser preso.
Integrantes da campanha acreditam que o presidente tem desperdiçado tempo e energia com um público já convertido, ao apostar principalmente em evangélicos e nas motociatas. Na opinião dos estrategistas responsáveis pela pauta eleitoral, Bolsonaro deveria mirar em agendas mais diversificadas, focados nos brasileiros de baixa renda e do mercado financeiro, por exemplo, para “furar a bolha”.
Olhando para a frente, a campanha traçou como um dos principais desafios a reconquista de brasileiros que, a exemplo desses aliados, se desiludiram com Bolsonaro. O caminho para chegar a eles, entretanto, abriu fissuras. A ala política tem se incomodado com as agendas do presidente, a maioria delas definida por assessores do Palácio do Planalto, alheios ao grupo que trabalha pela reeleição.
Jingle e as mulheres
De acordo com Flávio Bolsonaro, o próprio presidente preparou o discurso que vai apresentar hoje, a partir de sugestões feitas pelo núcleo político. Bolsonaro deverá defender sua gestão durante a pandemia da Covid-19, dizendo que cuidou das pessoas e tomou todas a decisões tentando acertar. Também estão previstas exaltações a medidas econômicas, como o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, e a diminuição do preço dos combustíveis. A equipe da campanha aposta nisso para Bolsonaro diminuir a desvantagem em relação ao ex-presidente Lula.
Bolsonaro deverá concentrar atenção especial no público feminino, entre o qual ele enfrenta forte rejeição. O presidente planeja citar que as mulheres são as principais beneficiárias de programas sociais, como o próprio Auxílio Brasil, assim como da distribuição de títulos de propriedade rural. Para jovens, a sugestão é que Bolsonaro destaque o perdão de até 99% das dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a geração de vagas para o primeiro emprego.
O titular do Planalto, porém, não deve abandonar narrativas como pautas de costumes e declarações contra a esquerda. Com grande apoio entre evangélicos, a expectativa é que repita que atua como defensor da família. Além disso, a lembrança de que foi esfaqueado em Juiz de Fora (MG), em 2018, será reforçada.
No evento, serão exibidos vídeos de Bolsonaro e um clipe com o jingle “Capitão do Povo”, gravado pela dupla sertaneja Mateus e Cristiano. O refrão diz que o “capitão do povo” vai “vencer de novo”. Exibindo a todo momento a bandeira do Brasil e as cores verde e amarela, o vídeo ressalta a história de vida de Bolsonaro, como a passagem pelo Exército. (Colaborou Alice Cravo)
As mudanças de tom na corrida eleitoral do titular do Planalto
2018
Distância do Centrão
Durante a campanha vitoriosa para a Presidência, Bolsonaro fez duras críticas ao Centrão e não admitia uma aliança com o grupo. O discurso foi adotado por seus aliados. À época, o futuro ministro Augusto Heleno chegou a fazer uma paródia da música “Reunião de Bacana” (Se gritar pega Centrão...).
Combate à corrupção
Bolsonaro se elegeu prometendo acabar com a corrupção. Nos primeiros anos de governo, dizia colocar a mão no fogo por sua equipe.
Austeridade nas contas
Em seus discursos, Bolsonaro garantia respeito ao teto de gastos, austeridade nas contas e redução do número de ministérios para tornar a máquina federal enxuta.
2022
De mãos dadas com o Centrão
Bolsonaro se aproximou do Centrão e fez do grupo sua base no Congresso. Abriu espaço em seu Ministério ao aceitar indicações para pastas importantes e procurou justificar: “O Centrão é um nome pejorativo. Eu sou do Centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo. Fui do PTB, fui do então PFL.”
Denúncias de corrupção
Com investigações de denúncias de desvios na Educação e na Codevasf, Bolsonaro mudou o discurso sobre corrupção: “Tem casos isolados”.
Cofre aberto para gastos
Bolsonaro prometeu 15 ministérios, mas chegou a 23 (incluindo
secretarias). Também driblou o teto de gastos, com medidas como a PEC
Eleitoral, que mudou regras fiscais.
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