Bolsonaro recebeu sugestão de médicos para criar 'gabinete nas sombras' em discussão sobre vacinas

 O presidente Jair Bolsonaro recebeu de médicos defensores da cloroquina a sugestão de criar um 'gabinete das sombras' para também participar das discussões sobre vacinas. Numa reunião em setembro do ano passado no Palácio do Planalto, o virologista Paolo Zanotto, que chegou a colocar em dúvida a eficácia e necessidade de imunizantes contra a Covid-19, informou a Bolsonaro que encaminhou a ideia do 'shadow board' ou 'shadow cabinet' ao então assessor especial da Presidência, Arthur Weintraub.

— É como se fosse um 'shadow cabinet' (gabinete das sombras, em tradução literal), esses indivíduos não precisam ser expostos, digamos assim, à popularidade — reforçou Zanotto ao presidente.

 

A reunião ocorreu em 8 de setembro de 2020, quando o governo brasileiro - já com Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde - havia recebido propostas para a compra de vacinas de farmacêuticas como a Pfizer, mas não deu resposta. O evento foi organizado pelo deputado e ex-ministro Osmar Terra (MDB-RJ), apontado pela CPI da Covid como um dos integrantes do "gabinete paralelo" que patrocinou o uso da cloroquina no governo. Nenhum dos participantes usava máscara de proteção.

Na época, a reunião foi transmitida ao vivo nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro.

'Não precisam ser expostos à imprensa'

Trechos dos vídeos ganharam destaque nesta sexta-feira após divulgação pelo site Metrópoles. No encontro, que contou com a presença de médicos como Nise Yamaguchi, Bolsonaro aparece sentado ao lado de Osmar Terra. O presidente chega a delegar funções ao deputado, a quem se refere como o "galo" do grupo e "assessor", responsável por fazer contato com o então ministro Pazuello. Os médicos, por sua vez, chamam Terra de "padrinho" e o agradecem por ter promovido o encontro.

— Temos problemas para tratar desse assunto. Vou entrar em contato imediatamente com o ministro da Saúde para ver a saída para isso aqui, e aviso. Ou então você mesmo, esse meu assessor aqui, entra em contato com Pazuello — diz Bolsonaro, indicando Osmar Terra, que responde:

— Sim senhor.

Os médicos, por sua vez, chamam Terra de "padrinho" e o agradecem por ter promovido o encontro.

— O desenvolvimento vacinal que a gente está vendo hoje começou em janeiro, fevereiro. Com todo o respeito, é lógico que a gente tem que querer vacina, ou talvez não, porque o grande problema dos coronavírus é que eles têm intrinsicamente problemas no desenvolvimento vacinal (...) Mas a gente não tem condição de dizer neste momento que a gente tem qualquer vacina que poderia estar realisticamente no que a gente chama de fase 3. Isso é muito sério. A minha sugestão, até enviei uma mensagem para o Executivo, mandei uma carta para o Weintraub, para o Arthur, que talvez fosse importante se montar um grupo, e a gente poderia ajudar, eu não vou fazer parte desse grupo, não sou especialista em vacinas, mas gostaria de ajudar o Executivo a montar um 'shadow board' — disse Paolo Zanotto.

E acrescentou:

— De uma certa forma, o meu interesse está em dar ao Executivo no Brasil a chance de contatar alguns dos melhores pesquisadores do Brasil em áreas que são fundamentais para vocês poderem desenvolver coisas importantes, como se fosse um 'shadow cabinet', eles não precisam ser expostos, digamos assim, à popularidade, à imprensa.

Em outro momento, Bolsonaro se dirige ao Conselho Federal de Medicina (CFM) em defesa do uso da hidroxicloroquina no 'tratamento preventivo' do novo coronavírus. Em julho daquele ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia emitido posição contrária ao uso do medicamento em pacientes da Covid-19.

— Um médico está sendo perseguido no seu Estado por receitar hidroxicloroquina para o tratamento preventivo da covid-19. Não sou advogado, vou consultar a quem de direito, para ver o que pode ser feito. Mas, como sugestão, talvez coubesse ao CFM fazer uma dessas ações preventivas, pode ingressar no Supremo Tribunal Federal. Afinal de contas, estamos tratando de vidas. Quem tem que receitar não é o presidente, não é o governador, é o médico — disse Bolsonaro.

Na CPI da Covid, a secretária de Gestão do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, alegou que a pasta nunca indicou tratamentos para a Covid-19. Ela disse que defende apenas o tratamento na fase inicial da doença, para quem já se contaminou, e não como uma alternativa para evitar a contaminação.

Bolsonaro também defendeu o envio de cloroquina diretamente às prefeituras, porque alguns estados estariam retendo o produto. Segundo ele, foi o que ocorreu em Porto Seguro, no sul da Bahia.

— Há 15 dias, chegou um relatório para mim da Saúde sobre os estados , levando-se em conta estoque de hidroxicloroquina, e pedidos. A maioria não está pedindo. Inclusive alguns colegas médicos, uma lá de Porto Seguro [pedindo] para não entregar ao estado, para poder entregar para a secretaria municipal, senão seria retido também o material — afirmou Bolsonaro.

Ele também disse ter conversado com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para liberar o envio de insumos da cloroquina ao Brasil em 2020.

— Como eu havia sido a personalidade do ano na Índia, é um por ano, entrei contato com Modi, primeiro-ministro, ele abriu exceção, mandou, precisávamos de insumo de hidroxicloroquina para cá. Então, nós temos material. Agora, não vamos com toda certeza mandar para os estados. Temos a preocupação de ficar retidos. Agora para a prefeituras que pedem, pedidos que chegam para nós, a gente manda para a Saúde, eles analisam, e fazem com que chegue em cada município. O problema que a gente tem. E mandar para o governador, o governador pode querer guardar — disse o presidente.

 


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