Nas favelas do Rio, 20% das mortes por coronavírus acontecem em casa


Uma pesquisa da ONG Viva Rio e da MN Estatística revela que, nas comunidades e periferias fluminenses, os efeitos da Covid-19 são agravados pela falta de assistência de saúde. Do total de vítimas fatais do novo coronavírus nessas áreas, 20% morreram em suas próprias casas e, destas, 75% sequer procuraram ajuda médica. Em todo o estado, segundo boletim divulgado neste domingo, dia 24, já são 3.993 mortes pelo coronavírus, com 37.912 infectados, 3.379 a mais que no sábado.
Já nas regiões abrangidas pela pesquisa, os dados — coletados entre 9 e 16 de maio, a partir do cadastro de 32.037 famílias que recebem cestas básicas do projeto SOS Favela em 332 comunidades e 29 municípios — mostram que há pelo menos um caso de pessoa infectada em 8,8% dos domicílios.
Dos doentes que morreram sem receber assistência médica, 11,9% moravam na Baixada, 11,6% na capital, 9,5% em São Gonçalo, 3,3% em Niterói e 3,1% no interior. Ainda de acordo com o levantamento, metade dos moradores de favelas e periferias da capital e da Baixada vivenciou a morte de pessoas próximas com suspeita de coronavírus. E, considerando também os casos que não resultaram em morte, foi possível verificar que 75,5% dos contaminados não buscaram atendimento em unidades de saúde públicas.

Outro aspecto constatado foi que a maioria dos infectados tinha entre 25 e 59 anos, fazendo parte de um grupo que precisa se locomover de casa para o trabalho regularmente. O antropólogo Rubem César, que participou da pesquisa, observa que o vírus levou um tempo para atravessar o Túnel Rebouças, mas hoje os piores indicadores se encontram na Zona Norte:
“São pessoas que trabalham para a classe média que mora nas áreas que foram infectadas primeiro, como a Barra e a Zona Sul, trazendo o vírus de fora do país. Quando a pandemia começar a diminuir nas cidades, ela vai aumentar nessas regiões”.

Subnotificação

Pelo menos 40.700 famílias já tiveram um morador com diagnóstico positivo para Covid-19. Na favela Tavares Bastos, no Catete, o mototaxista Fábio Alves da Silva, de 45 anos, começou a passar mal em 4 de maio e, no dia 15, foi internado no Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, com 50% dos pulmões comprometidos. A confirmação de Covid-19 só poi possível porque ele pagou do próprio bolso para fazer uma tomografia. Hoje, ele passa bem, mas sua mulher, a auxiliar administrativa Michele Melo, de 42, que também adoeceu, segue em isolamento.
“Fui medicada no dia que ele se internou, após ter uma crise de choro seguida de tosse”, conta Michele.
A subnotificação é um fator preocupante. No Parque da Cidade, na Gávea, vive o motorista escolar Waldir Cavalcante, de 54 anos, que passou três semanas isolado no quarto após ter os sintomas da doença, sem diagnóstico fechado. Agora melhor, ele teme que a situação se torne calamitosa e que o filho também pegue a doença.
“Há duas semanas, um homem de 50 anos morreu aqui. As enfermeiras da ambulância não conseguiram retirar o corpo que era pesado, e ninguém quis ajudar por medo de contágio”, conta.
O vírus avança para a Baixada Fluminense também. A produtora de eventos Andreia Nanci, 46 anos, moradora do Éden, em São João de Meriti, teve quatro casos de Covid-19 na família, além de outros em que as pessoas tinham sintomas mas não foram testadas. Hipertensa, ela, há 30 dias, teve dores de cabeça e no corpo, vômito, diarreia e alterações na pressão. Mas não foi ao médico:
“Não fui ao médico. Liguei para o 160 (número do estado para tirar dúvidas sobre a doença que funciona 24h) e a enfermeira me disse para ficar em casa que tudo passaria. Foi horrível. Achei que ia morrer e até fiz um vídeo me despedindo da minha família”.

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