Já nas regiões abrangidas pela pesquisa, os dados — coletados entre 9 e 16 de maio, a partir do cadastro de 32.037 famílias que recebem cestas básicas do projeto SOS Favela em 332 comunidades e 29 municípios — mostram que há pelo menos um caso de pessoa infectada em 8,8% dos domicílios.
Dos doentes que morreram sem receber assistência médica, 11,9% moravam na Baixada, 11,6% na capital, 9,5% em São Gonçalo, 3,3% em Niterói e 3,1% no interior. Ainda de acordo com o levantamento, metade dos moradores de favelas e periferias da capital e da Baixada vivenciou a morte de pessoas próximas com suspeita de coronavírus. E, considerando também os casos que não resultaram em morte, foi possível verificar que 75,5% dos contaminados não buscaram atendimento em unidades de saúde públicas.
Outro aspecto constatado foi que a maioria dos infectados tinha entre 25 e 59 anos, fazendo parte de um grupo que precisa se locomover de casa para o trabalho regularmente. O antropólogo Rubem César, que participou da pesquisa, observa que o vírus levou um tempo para atravessar o Túnel Rebouças, mas hoje os piores indicadores se encontram na Zona Norte:
“São pessoas que trabalham para a classe média que mora nas áreas que foram infectadas primeiro, como a Barra e a Zona Sul, trazendo o vírus de fora do país. Quando a pandemia começar a diminuir nas cidades, ela vai aumentar nessas regiões”.
Subnotificação
Pelo menos 40.700 famílias já tiveram um morador com diagnóstico positivo para Covid-19. Na favela Tavares Bastos, no Catete, o mototaxista Fábio Alves da Silva, de 45 anos, começou a passar mal em 4 de maio e, no dia 15, foi internado no Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari, com 50% dos pulmões comprometidos. A confirmação de Covid-19 só poi possível porque ele pagou do próprio bolso para fazer uma tomografia. Hoje, ele passa bem, mas sua mulher, a auxiliar administrativa Michele Melo, de 42, que também adoeceu, segue em isolamento.“Fui medicada no dia que ele se internou, após ter uma crise de choro seguida de tosse”, conta Michele.
A subnotificação é um fator preocupante. No Parque da Cidade, na Gávea, vive o motorista escolar Waldir Cavalcante, de 54 anos, que passou três semanas isolado no quarto após ter os sintomas da doença, sem diagnóstico fechado. Agora melhor, ele teme que a situação se torne calamitosa e que o filho também pegue a doença.
“Há duas semanas, um homem de 50 anos morreu aqui. As enfermeiras da ambulância não conseguiram retirar o corpo que era pesado, e ninguém quis ajudar por medo de contágio”, conta.
O vírus avança para a Baixada Fluminense também. A produtora de eventos Andreia Nanci, 46 anos, moradora do Éden, em São João de Meriti, teve quatro casos de Covid-19 na família, além de outros em que as pessoas tinham sintomas mas não foram testadas. Hipertensa, ela, há 30 dias, teve dores de cabeça e no corpo, vômito, diarreia e alterações na pressão. Mas não foi ao médico:
“Não fui ao médico. Liguei para o 160 (número do estado para tirar dúvidas sobre a doença que funciona 24h) e a enfermeira me disse para ficar em casa que tudo passaria. Foi horrível. Achei que ia morrer e até fiz um vídeo me despedindo da minha família”.
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