Embora tenha dito que saiu sem ódio dos quase 20 meses de prisão, Lula subiu o tom e partiu para o confronto político.
Eu duvido que o Moro durma com a consciência tranquila que eu estou. Eu duvido que o Deltan durma com a consciência tranquila. Eu duvido que o Bolsonaro durma com a consciência tranquila que durmo. Eu duvido que o destruidor de empregos Guedes durma com a consciência tranquila que durmo. E digo: eu estou de voltaLuiz Inácio Lula da Silva
Pelo Twitter, Moro disse que não responde a "criminosos presos ou soltos" e afirmou que "algumas pessoas só merecem ser ignoradas".
Lula foi solto ontem em Curitiba, um dia depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir que um réu só pode cumprir pena depois de esgotar seus recursos na Justiça — e quase 600 dias depois de ser preso pela condenação em segunda instância no caso do tríplex, da Operação Lava Jato. Ele continua inelegível pela Lei da Ficha Limpa e responde a outros processos criminais.
Hoje, precedido por uma saraivada de rojões, Lula discursou em cima de um trio elétrico em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, seu berço político e o último lugar por onde passou antes de ser preso.
Sem palavrão, contra Bolsonaro
Enquanto
militantes xingavam Bolsonaro, Lula reprimiu o grito e disse duvidar se
as pessoas fossem criadas pela mãe dele diriam palavrões como disseram
contra Dilma na abertura da Copa do Mundo de 2014.
Fui criado para não dizer palavrão. Não vou dizer palavrão a Bolsonaro, ele é o próprio palavrãoLula
Em
seu discurso, Lula fez uma série de críticas ao presidente Jair
Bolsonaro, chamando o seu governo de um governo de "milicianos". "Esse
país não merece o governo que tem. Esse país não merece um governo que
manda seus filhos contarem mentira todos os dias através de fake news",
declarou."Não adianta ficar com medo, não adianta ficar preocupado com as ameaças que eles fazem na televisão. Que vai ter miliciano, que vai ter AI-5 outra vez", disse, em referência a uma fala do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.
O petista também fez duras críticas ao projeto econômico do atual governo que, segundo ele, está "empobrecendo" ainda mais a sociedade brasileira.
"Quando eu fui preso, achei que minha prisão ia permitir recuperar o Brasil", disse. "Mas o povo tem menos carro, menos emprego. Quero saber se o juro do cheque especial caiu. Se o juro da Casas Bahia caiu. Porque é esse juro que toca diretamente no bolso do trabalhador, que mexe no salário do nosso povo. A Selic caiu, mas o spread bancário não caiu", declarou.
Lula defendeu, ainda, a distribuição de livros "contra a distribuição de armas do Bolsonaro". "Se as pessoas tiverem onde trabalhar, tiverem salário, onde estudar, se tiverem acesso a cultura, a violência vai cair". Procurado pelo UOL, o Planalto informou que não irá comentar as declarações do ex-presidente.
Marielle e Queiroz
Ao lado de lideranças do PSOL, como Marcelo Freixo e Guilherme Boulos, Lula lembrou o assassinato da vereadora Marielle Franco. "Quem matou Marielle?", perguntou. "Não é a gravação do filho dele que vale [sobre o depoimento do porteiro, que disse que um dos suspeitos de morte da vereadora pediu o número da casa de Jair Bolsonaro]. É preciso que haja uma perícia séria para que a gente saiba quem matou Marielle."Antes, ele disse reconhecer a eleição de Bolsonaro, mas afirmou que o presidente "foi eleito para governar para o povo brasileiro, e não para os milicianos do Rio [de Janeiro]". "Ele [Bolsonaro] tem que explicar onde é que está o Queiroz. Como ele construiu um patrimônio de 17 casas. Eu quero saber como esses caras juntam dinheiro."
Críticas à mídia
O
ex-presidente criticou a mídia televisiva, sobretudo o que chamou de
falta de cobertura dos vazamentos das conversas da Lava Jato. Logo ao
subir no palanque, mirou um helicóptero da Rede Globo: "Lá em cima tá o
helicóptero da Rede Globo para falar merda de novo sobre Lula e sobre
nós."
"Na cadeia, fui obrigado a ver TV
aberta. O SBT foi uma vergonha, a Record está uma vergonha e a Globo
continua uma vergonha. Eles não deram uma matéria sobre o Intercept, só
uma para defender o Faustão", disse.
Em nota, a Globo repudiou os ataques de Lula
e disse que faz jornalismo sério e continuará a fazer. "A prova de
isenção da emissora é a transmissão do discurso que o ex-presidente fez
ontem e hoje. Também é prova de sua isenção ser alvo de ataques dos
extremos do espectro político hoje, tão radicalizado", diz o texto.Nova caravana
Ao
terminar o discurso, o ex-presidente sinalizou que deve entrar em uma
nova caravana nos próximos dias, citando como aliados a presidente do
partido, Gleisi Hoffmann, e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad,
candidato derrotado à Presidência em 2018.
"A
partir da semana que vem eu vou estar cuidando da minha vida. Eu não
sei qual confusão vão criar para mim, mas eles não sabem o tesão que
estou." O petista prometeu, ainda, fazer um novo pronunciamento ao povo
brasileiro dentro de 20 dias.
Lula
deixou claro que ainda quer conseguir, na Justiça, a anulação dos
processos contra ele. Está pendente no STF o julgamento de um processo
sobre a suspeição de Moro no caso do triplex, o que pode anular a ação.
"Nós ainda não ganhamos nada", afirmou.
No
topo do trio, enquanto políticos como Eduardo Suplicy e Alexandre
Padilha dançavam e cantavam, os advogados de Lula, Cristiano Zanin e
Valeska Martins, esboçavam tímidos sorrisos — mas ambos foram bastante
aplaudidos quando citados por Lula.
Calor e cerveja
Lula chegou por volta das 13h30 na sede dos Sindicato dos Metalúrgicos, em São Paulo. Foi recebido por um tapete vermelho. Subiu ao palanque e começou o discurso pouco antes das 15h.
Sob
forte calor, muitas pessoas passaram mal. Militantes chamavam a atenção
do palco para que paramédicos sejam chamados. Sem entender direito uma
dessas sinalizações, Lula disse: "Deem água, abanem, espaço. Se eu for
aí ajudar, vai ter mais confusão".
O caminhão em que Lula
discursou estava cercado de militantes por todos os lados. Na lateral
oposta à de Lula, mesmo sem vê-lo, seus apoiadores ouviam seu discurso
atentamente, muitos de cerveja em punho.Ainda no início do discurso, o microfone de Lula falou diversas vezes. Com humor, o ex-presidente reagiu: "Eu fiquei 580 dias sem ter com quem falar. Agora, quero falar".
O discurso de 45 minutos terminou com uma queima de fogos e ao som de "Vermelhou". O clima era de uma festa por um título de futebol, com a torcida saudando o capitão do time.