A reportagem em questão já vem tendo sua credibilidade questionada, e
o escândalo político em torno dela já é visto por muitos como uma
narrativa distorcida e fabricada
A intenção da editora, segundo os denunciantes, era favorecer outro
possível indicado por Lula para a vaga. Os jornalistas afirmam que
Andreza preparou e executou a reportagem com o objetivo oculto de
revigorar a candidatura do ministro Bruno Dantas “de quem Andreza se diz
'amiga pessoal' e 'devedora' à vaga de ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF)”.
Os repórteres que fizeram a denúncia - todos recém-contratados,
oriundos de cidades fora de Brasília - contam que não tiveram
alternativas a não ser cumprir as ordens arbitrárias e enviesadas da
chefe que os submeteu a condições de trabalho degradantes e humilhantes,
forçando-os a se envolver na fabricação do 'escândalo da dama do
tráfico'.
Além disso, os jornalistas relatam jornadas de trabalho extenuantes sem contabilização ou pagamento de horas extras. "Somos
colaboradores do jornal Estadão e queremos denunciar aqui que a
editora-chefe de política do Estadão (jornal Estado de S. Paulo),
Andreza Matais, assediou e obrigou repórteres recém-contratados por ela
(todos no ano de 2023) a preparar e publicar uma reportagem enviesada
que foi previamente concebida por ela para denunciar supostas ligações
do ministro da Justiça, Flávio Dino, com uma mulher apresentada
jocosamente como 'dama do tráfico do Amazonas'"
, diz trecho da denúncia.
A
Notícia Fato enviada ao MPT também afirma que além de ter ordenado a
publicação da reportagem que prejudicaria Flávio Dino, Andreza Matais
também “usou uma entrevista do ministro Gilmar Mendes, do STF,
igualmente amigo pessoal de Bruno Dantas e de Andreza Matais, para
inflar a gravidade da visita da 'dama do tráfico' e, assim, conferir
ares de gravidade ao 'factoide' que é o encontro de uma suposta chefe do
tráfico com autoridades do governo".
"Andreza Matais gerencia mais de 30 funcionários do Estadão e goza de
prerrogativas profissionais e constitucionais dadas aos jornalistas. O
factoide esconde uma sequência de violações constitucionais e
trabalhistas que precisam ser analisadas e investigadas com urgência
pelo Ministério Público".
"A tática imita operações de desinformação de arapongas e outros
profissionais de 'inteligência', pois, na ausência de fatos que indiquem
um favorecimento ou uma comunhão de desígnios com a tal chefe do
tráfico, a fabricação de notícia busca conferir verossimilhança a uma
narrativa pela qual Dino pareça alguém ligado ou simpático ao
narcotráfico e, assim, seja considerado um nome impróprio para o STF",
continua a denúncia dos funcionários contra Andreza Matais.
Com a denúncia, os jornalistas pedem que Andreza seja investigada por
ilegalidades profissionais e trabalhistas; e que o MPT investigue se o
jornal Estadão "violou leis de imprensa, pois o conteúdo também foi e é
amplamente veiculado e turbinado por concessão estatal: rádio Eldorado,
controlada pela família dona do Estadão. Solicitamos que essa denúncia
seja anexada à notícia de fato".
Questionada sobre o caso, a editora negou tudo. "A denúncia é
improcedente e a direção de jornalismo já encaminhou o caso para o
jurídico, que tomará as providências cabíveis", declarou a editora-chefe
de política do Estadão à Fórum.
Por sua vez, o Tribunal de Contas da União enviou uma nota afirmando
que seu presidente “desconhece completamente” os fatos relatados na
denúncia, e que Dantas “adotará providências legais contra a difamação
criminosamente perpetrada em portal do MPT, e divulgada como se
documento oficial fosse".
Uma pessoa que trabalha como repórter do Estadão que não quer se
identificar afirmou que "não gostar dela [Andreza Matais] é unanimidade
no Estadão, acho que até os outros editores não gostam".
Apelido inventado
O “escândalo da Dama do Tráfico Amazonense” diz respeito a uma visita
de Luciane Barbosa Farias ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Estudante de Direito e militante contra abusos no sistema penitenciário
na posição de presidenta da Associação Instituto Liberdade do Amazonas,
ela é casada com Clemilson dos Santos Farias, conhecido como “Tio
Patinhas”, que seria um traficante de drogas ligado ao Comando
Vermelho.
A divulgação da informação de que Luciane participou de reuniões no
Ministério na condição de acompanhante ganhou muita repercussão devido à
alegação de que ela também teria sido condenada por envolvimento em
crimes ligados ao narcotráfico.
Escolhida pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do
Amazonas (CPTEC-AM) para participar de um encontro do Ministério dos
Direitos Humanos, em Brasília, Luciene já afirmou diversas vezes que não
tem envolvimento com nenhuma facção criminosa.
Ela esteve na Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da
Justiça acompanhando a ex-deputada Janira Rocha, vice-presidente da
Comissão de Assuntos Penitenciários da ANACRIM-RJ, no dia 19 de março. E
no dia 2 de maio, encontrou-se com Rafael Velasco Brandani, titular da
Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Essa versão,
inclusive, foi confirmada pelo ministro Flávio Dino e pelo secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Elias Vaz
.
Com a divulgação da notícia de sua presença no ministério, criou-se
uma narrativa polêmica que tentava taxar o ministro da Justiça e
Segurança Pública de aliado do crime. Contudo, a narrativa não se
sustenta.
Apesar de realmente ter sido citada em um processo, na 1ª Instância da Justiça, Luciane Barbosa e Clemilson dos Santos foram absolvidos
de todas as imputações da denúncia do Ministério Público do Estado do
Amazonas contra eles no dia 25 de janeiro de 2022, por
ausência/fragilidade das provas apresentadas.
Ante a absolvição, a juíza Rosália Guimarães Sarmento também revogou a
prisão preventiva de Clemilson e determinou a expedição de um alvará de
soltura em seu favor, e se absteve de determinar a prisão de Luciane,
que estava em liberdade.
Tentativas de intimidação
A notícia do Estadão chegou a afirmar que “Dama do Tráfico do
Amazonas” era um apelido atribuído a Luciane na região. No entanto, não
há registros na imprensa local desse “título” sendo atribuído a ela.
Questionado nas redes sociais, o jornalista André Shalders, um dos
que assina a matéria que gerou toda a polêmica, chegou a admitir que ele
foi o responsável por atribuir a Luciane tal alcunha, após ouvir o tal
apelido de uma fonte que ele entrevistou.
"Estou respondendo a todo mundo porque tenho como provar tudo o que
escrevi. Quanto ao 'dama do tráfico', foi uma expressão usada por uma
fonte. Achei peculiar e coloquei no texto", comentou Shalders em
resposta à também jornalista Cynara Menezes, no X (antigo Twitter). Em
seguida, a resposta foi apagada.
Ao ter seu trabalho criticado
, outro repórter envolvido na elaboração do factoide, Tacio Lorran,
passou a atacar o também jornalista Leandro Demori, que atualmente
trabalha Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e foi um dos responsáveis
pela investigação que levou à divulgação da série de reportagens Vaza
Jato, no The Intercept Brasil.
Demori afirmou, por meio de suas redes sociais, que Tácio Lorran
entrou em contato com a EBC solicitando informações sobre seu salário.
Ao saber do interesse sobre sua remuneração, o jornalista veio a público
dar mais detalhes sobre quanto ele recebe, e criticar a atitude de
Lorran, declarando que “se acham que vão me intimidar, entrem na fila”.
"Depois
que eu publiquei minha avaliação sobre esse caso da “Dama do Tráfico do
Amazonas”, um dos repórteres do Estadão, que assinou a primeira
reportagem do caso, pediu à TV Brasil detalhes sobre meus salário".
Chama atenção que Tácio Lorran reaja a uma crítica pontual a
seu trabalho – que fiz de forma aberta, sem pessoalizar – com o que, me
parece, uma tentativa tosca de retaliação, pra ficar em termos
republicanos. Qual o interesse na minha remuneração? Isso é pauta?",
questionou Demori.
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