Sem resposta forte do governo, desemprego no país tem projeção assustadora


Em uma semana típica de 2020, cerca de 280 mil americanos declaravam que estavam desempregados, em um sinal de saúde da economia dos Estados Unidos. Tudo mudou com o coronavírus: em uma semana, o número de pedidos de seguro-desemprego subiu várias ordens de magnitude e chegou a 3 milhões.
A linha do gráfico, que estava horizontal, de repente virou vertical. E o trágico cenário de alta do desemprego tem tudo para se repetir no Brasil, avaliam economistas ouvidos pela EXAME.
A doença está avançando com rapidez por aqui: em uma semana os casos triplicaram e já são 2.915 pacientes infectados e 78 óbitos. O colapso do sistema de saúde em países como Itália e Espanha acendeu o alerta e levou ao estabelecimento de medidas de isolamento, recomendadas por especialistas em saúde pública e replicadas ao redor do mundo, mas que tem o seu impacto.
Uma perda maciça de vagas é esperada, mas economistas evitam fazer projeções com segurança e não há um consenso sobre o tamanho do problema, já que o futuro da pandemia ainda é envolto em incertezas.




“Os eventos de curto prazo geram um problema de cenário, ou seja, não consigo cravar um número médio, porque ninguém sabe como será a reação global aos estímulos, até quando devem durar os shutdowns e qual será o impacto do pós-crise”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset.
Mas o fato de a legislação trabalhista brasileira ser mais rígida do que a americana não será suficiente para segurar as demissões. “O eventual não pagamento dos benefícios será meramente burocrático”, completa.
A GO Associados fez uma estimativa a pedido da reportagem levando em conta um cenário-base no qual a atividade de todo o país toma um “choque” de uma vez só. A consultoria projeta que, no auge da crise, que será em maio, o desemprego possa ir dos 11,2% em janeiro para 15,5%. Isso significa 16,5 milhões de desempregados, quase 5 milhões a mais do que atualmente.
“Essa é uma estimativa básica, porque não conseguimos mensurar quais serão as medidas de contenção que o governo federal vai lançar mão para segurar os empregos. Se nada for feito, o dado vai ser muito pior. Se algo relevante for colocado em prática, haverá menos impacto”, afirma Lucas Godoi, economista da GO Associados.
A incerteza sobre a resposta do governo é uma das grandes preocupações. A avaliação é a de que o pacote anunciado até agora é tímido e que vai se pintando um quadro de tragédia econômica.
“O governo está extremamente lento, quase letárgico na reação ao coronavírus e agir assim, em um momento de crise, é fatal”, diz a economista Monica de Bolle, diretora de estudos-latino americanos e mercados emergentes da universidade americana Johns Hopkins.
Nem mesmo o decreto de estado de calamidade pública, que abriu espaço na Lei de Responsabilidade Fiscal, fez com que a equipe do Ministério da Economia conseguisse fechar um número para o orçamento necessário para enfrentar a crise.
Até agora, o ministro Paulo Guedes anunciou um pacote econômico de 308,9 bilhões de reais, mas a maior parte ainda não saiu do papel. No domingo, o governo editou a MP 927 com um artigo que permitia suspensão do contrato de trabalho por 4 meses sem salário. A promessa era que o governo compensaria parte do valor, mas não havia nada sobre isso no texto e o artigo acabou sendo retirado.
Outra promessa é de uma ajuda para 40 milhões de trabalhadores informais, com valor inicial de 200 reais por mês; hoje, Bolsonaro prometeu que o valor seria de 600 reais. A Câmara dos Deputados se antecipou ao governo a aprovou uma ajuda que pode chegar a até 1.200 reais a trabalhadores informais e pessoas com deficiência que ainda aguardam na fila de espera do INSS até a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O texto ainda precisa passar pelo Senado.
No momento quem está tentando ter algum protagonismo sobre o tema é o Congresso junto dos governadores. O que até é bom, mas um país sempre precisa de um coordenador geral, que é o governo federal”, afirma De Bolle. 

Tamanho do problema

Além da preocupação com as medidas emergenciais para a contenção da crise, uma segunda preocupação é saber quando as autoridades e empresários brasileiros terão dimensão do problema.
Isso porque, apesar de os dados de desemprego nos EUA assustarem, o fato de eles serem divulgados semanalmente gera pressão para reações mais rápidas. O país aprovou ontem o maior plano de resgate econômico da história, no valor de dois trilhões de dólares (37% maior do que o PIB do Brasil) para ajudar empresas e cidadãos e revigorar a economia.
No Brasil, no entanto, é possível que só em maio o país tenha dados oficiais sobre o desempenho do desemprego neste início de crise. “A PNAD contínua, que abarca trabalhadores formais e informais, é trimestral. Nem o Caged, que é mensal mas só retrata o mercado formal, será suficiente para sabermos o tamanho disso que estamos vivendo”, aposta Godoi, da GO Associados.
Outro agravante é que a pandemia levou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que divulga a taxa de desemprego no país, a suspender a coleta presencial de dados. Em nota, o instituto disse que avalia alternativas para a realização da pesquisa sem envolver visitas aos domicílios brasileiros.
A boa notícia, apesar de tudo, é que a projeção é relativamente positiva sobre o tempo necessário para sair da crise, pois em tese a demanda de emprego pode voltar ao normal assim que a pandemia passar. A dúvida continua sendo sobre quando isso vai acontecer.



Postar um comentário

0 Comentários