Relator do MP quer investigação contra promotor de caso ligado à empresa Dolly

13.dez.2001 - O promotor José Carlos Blat, do Ministério Público de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress 

O Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo decidiu, por unanimidade, arquivar um inquérito civil da Promotoria do Patrimônio Público, conduzido pelo promotor José Carlos Blat, que apurava a contratação de uma empresa de análise de dados pela PGE (Procuradoria Geral do Estado).
O relator do processo no conselho, procurador de Justiça Luiz Antonio de Oliveira Nusdeo, afirmou no julgamento, realizado na terça (3), que encaminharia cópia do processo à corregedoria do MP para que fosse analisada a conduta funcional de Blat no caso.
O trancamento do inquérito civil pelo Conselho do MP havia sido pedido em novembro passado pela PGE, que diz que Blat cometeu irregularidades na investigação.
A Procuradoria de Justiça é o órgão do MP que atua em processos de segundo grau. A Procuradoria do Estado defende interesses do governo estadual na Justiça. São órgãos diferentes.

Dolly acusou Procuradoria

O inquérito aberto por Blat e trancado pelo Conselho do MP foi aberto em setembro do ano passado com base em uma representação (denúncia) sobre conduta irregular da Fazenda Pública (receita estadual) na Operação Happy Hour, que fiscalizou a Cervejaria Proibida por falta de recolhimento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) e outros tributos.
O dono da Dolly, Laerte Codonho, pediu para depor na investigação e acusou a empresa de análise de dados Neoway, contratada da PGE, de acessar dados sigilosos da empresa. Segundo depoimento de Codonho a Blat, a Neoway teria entre seus acionistas a Ambev e, na presidência de seu conselho administrativo, um ex-funcionário da Coca-Cola, empresas concorrentes da Dolly.
Laerte Codonho, dono da Dolly, ao ser preso em 2018 - Danilo Verpa/Folhapress
Laerte Codonho, dono da Dolly, ao ser preso em 2018
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress
O dono da Dolly, Laerte Codonho, chegou a ficar preso por oito dias em maio de 2018, acusado de fraude fiscal estruturada, sonegação, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Segundo a PGE (Procuradoria Geral do Estado), a Dolly deve R$ 3 bilhões em impostos estaduais. Quando preso em 2018, o dono da Dolly foi fotografado com um cartaz que dizia "preso pela Coca-Cola".

Procuradora vai ao MP contra inquérito

A Procuradora-Geral do Estado, Lia Porto Corona, foi pessoalmente ao MP defender a posição da PGE contra a investigação. "Não é normal o procurador-geral do Estado vir ao Conselho do MP, mas entendi necessário, pois é uma questão institucional", disse.
Segundo ela, houve "substancial alteração do objeto da investigação" pelo MP. Blat teria mudado o objeto da investigação para incluir o contrato da PGE com a Neoway após depoimento do dono da Dolly.
Ela aponta que a cervejaria que produz a Proibida não se queixou de irregularidades do Fisco, razão original da investigação, que depois avançou contra a Neoway e sua relação com a PGE.
Sobre o contrato da Neoway, ressaltou sua regularidade. "A empresa foi contratada por pregão. Não há maior transparência que isso".
Lia Corona foi dura sobre as denúncias da Dolly. "São 20 anos de narrativas fantasiosas: perseguição, conluio, imoralidades, mas a dívida da empresa continua em aberto". Segundo ela, a empresa abusa da tática de acusar pessoas e instituições que a investigam. A Dolly afirma ser vítima de um conluio e denunciou à corregedoria da PGE um procurador do Estado que atuou no caso.

Interesses privados

Nusdeo votou em seguida pelo trancamento do inquérito civil público. Para ele, o MP defendeu interesses privados no caso. O MP, pela Constituição, defende interesses coletivos. Ao investigar a queixa de uma empresa contra o fisco, o MP, no entender do relator, defendeu o interesse de uma sociedade privada, o que não cabe à promotoria. "Dar prosseguimento a essa investigação dá direito ao MP de defender interesse individual", disse.
Para Nusdeo, Blat realizou diligências após a PGE ter entrado com o recurso e alterou o objeto do inquérito após a PGE questionar a investigação (pelas regras do conselho, assim que uma parte pede o arquivamento de uma investigação, o inquérito é suspenso até o julgamento e nenhuma medida poderia ter sido tomada).
Por ter prosseguido com o inquérito após a investigação ser suspensa, Nusdeo entende que Blat cometeu falta funcional e, por isso, decidiu mandar cópia do processo para a corregedoria.

Paródia hollywoodiana

Nusdeo questionou também o fato de ter sido juntado por Blat no processo um vídeo apócrifo que acusa fiscais de terem recebido propina para reduzir a dívida da Proibida de R$ 100 milhões para R$ 15 milhões.
O vídeo, uma montagem classificada como paródia tosca e uma "ópera bufa" por membros do conselho, traz cenas do filme "Prenda-me se for Capaz", estrelado por Tom Hanks e Leonardo Di Caprio, com o som original do filme. Contudo, as cenas do filme foram legendadas com acusações aos fiscais.

Hierarquia prevalecerá

Ouvido pelo ZN, Blat não quis comentar detalhes do julgamento. Disse apenas que respeita a hierarquia do MP e que cumprirá a determinação do Conselho do MP.
Ele também não quis comentar a decisão de Nusdeo de pedir que a corregedoria o investigue por falta funcional.

Dolly irá ao CNMP

Codonho disse ao ZN que a Dolly vai denunciar a decisão do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo ao Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília.
Segundo Codonho, a empresa também apresentará uma queixa na Ouvidoria do MP paulista para entender como o caso foi distribuído pelo conselho ao procurador de Justiça Luiz Antonio de Oliveira Nusdeo. O procurador é irmão de Marcos Fábio de Oliveira Nusdeo, presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo.
Para o dono da Dolly, o conselheiro deveria ter se declarado suspeito uma vez que o irmão dele foi autor de uma nota criticando Codonho.
Codonho afirmou considerar absurda a decisão do conselho de arquivar a investigação. Quanto aos impostos devidos, a Dolly afirma ser credora de tributos federais.