A medida provisória que cria o Programa Verde Amarelo (MP 905),
editada pelo presidente Jair Bolsonaro em 11 de novembro, faz diversas
alterações na legislação trabalhista. Uma delas é a extinção da
necessidade de registro profissional para algumas categorias.
Esse
documento é emitido nas Delegacias do Trabalho dos Estados, ligados à
atual Secretaria do Trabalho, do Ministério da Economia. Serve para o
controle do governo e de sindicatos sobre as contratações, pelas
empresas, de profissionais de categorias regulamentadas.
A medida provisória está em vigor, mas pode ser alterada
pelo Congresso Nacional ou mesmo caducar se o prazo de votação não for
cumprido. O texto recebeu 1.930 emendas de deputados e senadores
sugerindo modificações. Na última 4ª feira (11.dez.2019), a comissão
mista para analisar a MP foi instalada no Congresso.
O
próprio presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), é contra a
revogação da necessidade de registro para jornalistas. A informação é
do ex-ministro Aldo Rebelo, que disse, depois de uma conversa com Maia e com o presidente do Senado Davi Alcolumbre, que “são grandes as possibilidades” de o Congresso devolver o trecho da MP que trata sobre a extinção de registros profissionais.
Só
foram afetadas pela MP as profissões que não são reguladas por
conselhos de atuação reconhecida. Médicos, advogados e engenheiros, por
exemplo, não perdem o registro. De acordo com o Ministério da Economia
são 13 as profissões impactadas:- publicitário;
- jornalista;
- radialista;
- atuário;
- sociólogo;
- arquivista e técnico em arquivo;
- músico;
- estatístico;
- secretário;
- aeronauta;
- químico;
- corretor de seguros; e
- guardador e lavador de carros.
As duas últimas profissões não só perderam a obrigatoriedade de registro como tiveram as leis que a regulamentavam revogadas.
O que muda
A
1ª mudança é a extinção da burocracia para tirar o registro:
profissionais e contratantes não precisam mais reunir documentos,
agendar atendimento e dirigir-se pessoalmente às Delegacias do Trabalho.
Segundo o Ministério da Economia, “o
fim da necessidade de registro profissional para exercer essas
ocupações acaba com entraves e formalidades que os profissionais tinham
de cumprir antes de começar a trabalhar”. Ainda segundo a pasta, a
medida “é parte de uma orientação geral do governo federal para
simplificação e redução de burocracia para toda a população”.
Outra
mudança é o fim da exigência do documento em seleções públicas e
privadas, o que é visto pelos sindicatos como uma desvalorização do
profissional diplomado e capacitado para a tarefa. O governo argumenta,
por outro lado, que o documento por si só não assegura maior capacitação
do empregado.
Para os sindicatos, o fim do registro
leva à precarização do trabalho. A medida também interfere no controle
dos sindicatos sobre os profissionais registrados. Ao enfraquecer a
atuação sindical, a MP abriria espaço para a retirada de direitos, como
carga horária reduzida e benefícios além do piso salarial.
“A
grande problemática é que os sindicatos tinham acesso à base dos seus
associados por meio dessas informações, que vão deixar de existir. Isso
vai deixá-los sem norte do mapeamento de quem é sua categoria”, explica o advogado trabalhista Sílvio Almeida.
Ele diz, no entanto, que o impacto real do fim do registro no dia a dia dos trabalhadores é mínimo. “Não
vai fazer diferença para a produção, além de haver outros meios para
regular –tanto pelo mercado, como pelo governo e também pelos
sindicatos. Mais conselhos também podem ser criados. Esse vetor de
desburocratização é interessante”, afirma.
Sobre a MP 905 como 1 todo, a percepção do advogado é diferente: “Nessa
Medida provisória, eles (o governo) fizeram uma minirreforma
trabalhista. São muitos os pontos de mudança, e muitos nem devem ser
aprovados”.
A medida cria uma nova modalidade para incentivar a contratação de jovens, o chamado emprego Verde e Amarelo, que reduz os encargos trabalhistas, taxa o seguro-desemprego e modifica a alíquota do FGTS.
A
CUT (Central Única dos Trabalhadores), que reúne sindicatos de todo o
país, é contrária ao texto. Para o presidente da entidade, o objetivo é
derrubar toda a MP. “Não existe 1 só ponto dessa medida que contemple
a classe trabalhadora. Ela foi feita exclusivamente para favorecer o
empregador, aprofundando a precarização das relações de trabalho,
retirando direitos”, afirma o presidente da CUT Brasília, Rodrigo Rodrigues.
O que permanece
Na
prática, o fim dos registros profissionais por si só não interfere
diretamente no dia a dia do trabalhador. Carga horária e piso salarial
não são definidos pelo registro, mas por lei própria de regulamentação.
A
CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) estabelece a quantidade máxima
de 8 horas diárias e 44 horas semanais de trabalho para todas as
profissões, desde que não seja definida outra jornada de trabalho –o que
é comum em profissões com regime de plantão, por exemplo.
Essa
definição de carga horária específica pode ser decidida por meio de
acordos entre o empregador e empregado e em convenções coletivas,
geralmente intermediadas por sindicatos. Profissões regulamentadas, como
a de jornalista, também podem ter horários diferenciados.
Das
13 áreas afetadas, ao menos 4 têm jornada de trabalho inferior às 8
horas diárias previstas pela CLT: publicitário (de 5 a 8 horas, a
depender da área de atuação), jornalista (5 horas), radialista (5 a 8
horas, a depender da área) e músico (de 5 a 7 horas, a depender da
área).
As leis que regulamentam essas profissões não foram revogadas. “Essas
leis não mudam. As profissões que têm uma legislação própria não são
alteradas. O que foi abolida foi só a necessidade de cadastro na
Secretaria do Trabalho”, explica Almeida.
A exceção vai para as duas profissões que tiveram suas leis revogadas: a dos corretores de seguros e dos guardadores de carro.
Por
meio de nota, a Fenacor e CNSEG –Federação dos Corretores e
Confederação das Empresas de Seguros, respectivamente– manifestaram-se
esclarecendo que a MP não extingue a profissão e os contratos já
firmados entre as seguradoras e os corretores.
A
categoria tem se mobilizado, nos bastidores, para propor uma nova
regulamentação. A posição dos profissionais e das empresas de seguros é
de que o governo “fugiu ao seu objeto” ao desregulamentar a profissão.
Reações
As
categorias atingidas têm se manifestado contrariamente à MP. Uma das
mais atuantes é a dos jornalistas, que, em parceria com radialistas e
publicitários, têm organizado mobilizações em vários Estados.
Por meio de nota, a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) classificou a extinção do registro como “mais 1 passo rumo à precarização do exercício da profissão”, depois da derrubada da obrigatoriedade do diploma aprovada pelo STF, em 2009.
“Na
prática, sem qualquer tipo de registro de categoria, o Estado
brasileiro passa a permitir, de maneira irresponsável, o exercício da
profissão por pessoas não-habilitadas, prejudicando toda a sociedade”, diz o texto. A categoria diz que vai atuar, junto a congressistas, para barrar a medida.
Já a Federação dos Radialistas diz que a ausência do registro “precariza
a profissão, vez que impede a fiscalização dos acúmulos de funções
comumente praticados dentro dos empresas de radiodifusão, além de abrir
margem para uma ‘uberização’ da profissão”.
O IBA
(Instituto Brasileiro de Atuária) também é contrário. Diz que vai
acompanhar a tramitação do processo no Congresso e que vai reforçar sua
posição, em defesa do registro, junto ao mercado.
O Confe (Conselho Federal dos Estatísticos) defende o registro alegando que, “muito mais do que ser uma exigência legal, é 1 ato que fortalece sua classe profissional”.
Já
o CFQ (Conselho Federal de Química) se manifestou afirmando que a MP
não impacta na regulamentação e no registro das profissões a ele
relacionadas, já que o conselho teria atuação reconhecida.