A área de litígio não tem muitos moradores nem boa infraestrutura, mas possui algo que enche os olhos de qualquer estado: jazidas de minérios como ouro, diamante e manganês. Além disso, as terras produzem energia eólica e solar e são polo de produção hortifrutigranjeira.
A alegação do Piauí tem como base a publicação do Decreto Imperial 2012, de 22 de outubro de 1880, que alterou a linha divisória das então duas províncias. Em 1920, o presidente Epitácio Pessoa chegou a mediar um acordo entre os dois estados, para que "engenheiros de confiança" fizessem um levantamento geográfico na região. Mas a perícia nunca ocorreu.
As três áreas em litígio somam 2.874 km² —área equivalente a mais da metade do Distrito Federal ou a mais de duas vezes o município de São Paulo, por exemplo. Elas começam ainda no litoral e rasgam o semiárido no sentido sul.
A divisão incerta veio por decreto do imperador dom Pedro 2º, em 1880, que alterou a linha divisória. A então província Piauí "ganhou" uma saída para o mar, anexando o território de Armação —hoje Luiz Correia. Em troca, o Ceará ficou com as terras que abrangem Crateús. O problema principal está na definição dos marcos divisórios na serra da Ibiapaba.
O original do decreto
diz que serve "de linha divisória das duas províncias a Serra Grande ou
da Ibiapaba, sem outra interrupção além da do rio Puty, no ponto do
Boqueirão". Diz o texto que o Piauí fica com "todas as vertentes
ocidentais da serra", e o Ceará, com as orientais.
Para
justificar os problemas na definição, o Piauí alega questões anteriores
ao decreto e que foram achadas recentemente, como as cartas donatárias
de 1535 —sumidas até 1997— e um mapa do estado de 1760 —foi achado em
2002, que apontaria a divisa de forma mais clara. O Piauí alega que o
ponto da divisa nunca ficou claro.
Caso a mudança ocorra, muitos municípios terão partes desmembradas. O
caso mais emblemático é o de Poranga (CE), que cederia 66% de suas
terras para o lado do Piauí.
Em maio, sem chegar a um acordo
entre os estados, a relatora do processo, ministra Cármen Lúcia,
determinou que o Exército desse início à perícia, que custará R$ 6,9
milhões.O valor deveria ser dividido entre os dois estados, mas o governo do Ceará se negou a pagar, e o valor foi integralmente pago pelos piauienses. O estudo deve ficar pronto apenas em 2020, ainda sem prazo para acontecer.
Piauí diz que Ceará ocupou sem ter segurança jurídica
O Piauí acusa o Ceará de se apossar ilegalmente da área ao longo das décadas. Nos últimos Censos, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) considerou as áreas como território cearense.Responsável do lado piauiense pela ação, o deputado Franzé Silva diz que a ação de 2011 foi impetrada para "ter uma segurança" sobre a divisa. "É questão de ter Justiça feita. O Ceará tem avançado nessa área de litígio sem segurança jurídica", explica.
O parlamentar diz que o Piauí acredita que a região tem grande potencial
de exploração natural e mineral --e, consequentemente, de arrecadação.
"É uma região muito de rica na produção de hortifrutigranjeiro, de
energia solar e eólica e que tem um potencial mineral, de reservas com
um valor significativo. Durante todos esses anos, isso tem sido
incorporado ao PIB [Produto Interno Bruto] do Ceará mesmo sendo uma
região não resolvida."
O deputado ainda afirma que o Piauí não
sabe quanto a inclusão das áreas pode acrescer à arrecadação do estado.
"Isso o Ceará não informou, e não temos como saber, mas sabemos das
riquezas da área", diz.Para Franzé, o Piauí vai vencer o litígio. "Existe uma certeza muito grande de que essa área é nossa. Digo isso pelo divisor de águas estabelecido no decreto. Todos os documentos históricos estão sendo encaminhados no processo e mandados ao Exército."
Ceará defende situação histórica
Do lado cearense, o analista de políticas públicas do Ipece (Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará) Cleiber Nascimento afirma que o decreto imperial não estabelece com precisão a divisão entre os dois estados e defende que se leve em conta a situação administrativa ao longo dos anos, "de modo a não criar nenhum tipo de trauma"."Nessa área existia um vazio demográfico e que, ao longo dos anos, foi sendo ocupado. O Ceará defende que se trata de uma situação histórica e não se apega a mapas de decretos, das capitanias. Advogamos que permaneça como está e seja levada em conta a população. O que existe hoje fica para o Ceará, o que existe do Piauí fica com eles."
Nascimento ainda diz que deve se levado em conta o investimento feito na
área. "Isso não pode ser desprezado com base em um decreto de 1880",
diz.
Para ele, o tema já está pacificado pelo IBGE. "Nós temos a
questão de pertencimento. Se o estado vem administrando ao longo dos
anos —e o mesmo ocorre com o Piauí—, que continue. O IBGE já pacificou a
questão nos dois últimos Censos demográficos, já fez esse diagnóstico, o
mapeamento dos distritos e localidades que pertencem a cada um",
aponta.