Brasil ainda faz poucos testes para covid-19


O Brasil realizou, até 5ª feira (5.jun.2020), mais de 980 mil exames para a covid-19, o que representa 4% dos 24 milhões de testes prometidos pelo governo federal. Foram cerca de 50.000 testes feitos desde 2ª feira (1º.jun).
Graças ao esforço diário dos profissionais que atuam nos laboratórios centrais, o país aumentou em 451% a capacidade de testagem para a doença na rede pública. A média diária de exames, que em março foi de 1.689, passou para 7.624 ao fim de maio, disse o secretário substituto da Vigilância em Saúde, Eduardo Macário.

Até a última 6ª feira (29.mai), os laboratórios públicos, vinculados ao ministério, haviam realizado 485 mil testes de biologia molecular para a doença. A proporção de testes realizados em relação aos solicitados foi de 71,2%, segundo o Ministério da Saúde.
Para acelerar o processo de diagnósticos, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) informou que tem efetuado a entrega semanal de 500 mil testes reagentes para o novo coronavírus à pasta, totalizando o envio de 2 milhões de exames biomoleculares até o fim do mês.
Apesar dos esforços, o infectologista do Hospital Sírio-Libanês Ralcyon Teixeira alerta que a demanda de testagens é alta e que a disponibilidade limitada de reagentes biomoleculares é 1 dos motivos para a recente escalada da doença no país, que registrou até aqui 645.771 casos confirmados. Foram mais de 100 mil infectados em uma semana.
“Faltam laboratórios de alta performance no país. Os insumos para confecção de agentes sorológicos são baixos. Os testes rápidos têm apresentado baixa capacidade de dar resultados conclusivos. A quantidade de falsos negativos é maior em comparação aos testes moleculares. Além da falta de laboratórios capacitados, o país não conta com muita força de trabalho especializada no campo molecular, o que acaba causando ainda mais prejuízos na interpretação dos resultados.”

Os testes rápidos a que Ralcyon se refere entram no rol dos exames sorológicos. Por meio de 1 inquérito de anticorpos, o laboratório analisa se o paciente teve contato com o novo coronavírus. “É 1 método mais barato e acessível, mas tem menor especificidade. Já os exames moleculares são capazes de detectar a presença direta do vírus no organismo. O problema é que, além da carência de insumos para esse tipo de teste, o PCR (moleculares) por enquanto não vai ser aplicado em massa no Brasil porque é mais complexo e caro”, destaca o infectologista.
A Dasa, grupo responsável pelo Laboratório Exame, informou ter realizado mais de 125 mil testes PCR, além de 115 mil sorológicos até aqui. O diretor médico da Dasa, Gustavo Campana, atribui o baixo percentual de testagens no Brasil ao volume populacional: foram apenas 4.643 por milhão de habitantes. Segundo Campana, isso pode causar dificuldades em unificar ações de combate à covid-19. “A questão de limitação têm muito mais a ver com com a baixa disponibilidade de reagentes, que são importados, do que com a homogeneidade regional da epidemia.”

SUS X Desigualdade

Estudo da Universidade Centro-Europeia mostra que Irã, Cingapura e China tiveram índices melhores do que Espanha, Itália, Reino Unido e EUA no combate à pandemia nos primeiros 100 dias do surto. Na América do Sul, países como Venezuela, Paraguai e Uruguai registraram, cada, menos de 10.000 casos de covid-19 até aqui.
“A situação é diferente no Brasil e na Argentina porque cada Estado pode criar medidas próprias de contenção, o que abre margem para que uma região desconsidere as peculiaridades epidemiológicas da outra”, avalia o sociólogo Sebastian Tobás, autor do livro Diplomacia em Saúde e Saúde Global: perspectivas latino-americanas.
O pesquisador chama atenção ao fato de que a epidemia chegou ao país por meio das classes A e B e alerta que a população economicamente mais desfavorecida se tornou a mais vulnerável aos efeitos do vírus por causa da transmissão comunitária.
Estudo da PUC-Rio, divulgado em 27 de maio, ratifica a avaliação de Tobás: segundo a pesquisa, pessoas sem escolaridade (71,3%) têm 3 vezes mais chances de morrer de covid-19 do que quem tem 1 curso superior (22,5%). Pretos e partos sem escolaridade morrem 4 vezes mais pelo novo coronavírus do que brancos com nível superior (80,35% dos infectados contra 19,65%). Considerando a mesma faixa de escolaridade, pretos e pardos apresentam proporção de óbitos 37% maior, em média, do que brancos.
O professor de medicina Gastão Wagner, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), lembra que, antes de o SUS (Sistema Único de Saúde) ser implantado no Brasil, na década de 1980, 90% da população só tinha acesso a prontos-socorros vinculados à rede filantrópica das Santas Casas, único serviço de assistência à saúde gratuito à época.
“Não havia Unidades Básicas de Saúde, tampouco garantias a acesso hospitalar”, diz. “Imagina se esse modelo não tivesse mudado, os mais de 12 milhões de desempregados e milhares de trabalhadores informais que existem hoje no Brasil simplesmente estariam sem cobertura em meio à pandemia. Seria uma catástrofe”, atesta Gastão.
A vice-presidente do setor de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado concorda: “Sistemas de saúde baseados no seguro social, como era o brasileiro antes do SUS e como é a maior parte dos sistemas latino-americanos hoje, condicionam o acesso da população à capacidade de pagamento. São sistemas que aprofundam as desigualdades e que, num momento de crise como o atual, têm tido capacidade limitada, como nos EUA”.
O pediatra e sanitarista Paulo Buss lamenta que outros países da América do Sul ainda não tenham adotado 1 sistema público de saúde coletiva. “O Caribe deu 1 passo importante com a criação da Agência de Saúde Pública. Na África, criaram o Centro de Controle de Doenças. Ambos são arranjos organizacionais em saúde para enfrentar a pandemia. E, no Brasil, o SUS, mesmo com privações, tem conseguido conter uma escalada muito maior do que poderia ocorrer, dado o volume populacional”, diz o médico.

Mais R$ 1,2 bilhão para a Saúde

O Ministério da Saúde anunciou na 5ª feira (4.jun) que vai enviar recurso financeiro aos municípios que criarem Centros Comunitários de Referência e Centros de Atendimento para identificar e tratar precocemente os casos leves de covid-19. A previsão de investimento é de R$ 1,2 bilhão.
“Essa estratégia vai possibilitar que os gestores municipais que não tenham uma área com cobertura de Equipe de Saúde da Família e nem Unidade Básica de Saúde, mas que considere crítica, possa usar um equipamento social para adaptar o serviço para permitir o acesso das pessoas ao atendimento”, informou Daniela Ribeiro, secretária substituta de Atenção Primária à Saúde.

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