
Leia a íntegra do discurso do ex-presidente da República Luis Inácio Lula da Silva:
“Companheiras e companheiros do PT,
Convidados de todo o Brasil e de outros países,
Minhas amigas, meus amigos,
Esperei
muito tempo para poder falar livremente ao povo brasileiro. Esse dia
finalmente chegou, e minha primeira palavra tem de ser de agradecimento,
pela solidariedade, pelo carinho e pelas manifestações de quem não
desistiu de lutar e vai continuar lutando pela verdadeira justiça.
Durante
580 dias fui isolado da família, dos amigos e companheiros, apartado do
povo, mesmo tendo o direito constitucional de recorrer em liberdade
contra a sentença injusta e fraudulenta de um juiz parcial. Um direito
que somente agora foi proclamado pelo Supremo Tribunal Federal, para
todos, sem exceção.
Com
as armas da verdade e da lei, continuarei lutando para que os tribunais
reconheçam, agora, que fui condenado por quem sequer poderia ter me
julgado: um ex-juiz que atuou fora da lei, grampeou advogados, mentiu ao
país e aos tribunais, antes de desnudar seus objetivos políticos.
Lutarei para que seja anulada a sentença e me deem o julgamento justo
que não tive.
Aos 74
anos de idade, não tenho no coração lugar para ódio e rancor. Mas quem
nesse país já sofreu a humilhação de uma acusação falsa, por causa da
cor de sua pele ou por sua origem social humilde, conhece o peso do
preconceito e é capaz de sentir o quanto fui ferido em minha dignidade. E
isso não se apaga.
Nada
nem ninguém vai devolver o pedaço arrancado da minha existência, mas
quero dizer que aproveitei esses 580 dias para ler, estudar, refletir e
reforçar meu compromisso com o Brasil e com nosso povo sofrido. Voltei
com muita vontade de falar sobre o presente e principalmente sobre o
futuro do Brasil.
Mas
logo depois da minha primeira fala, de volta ao sindicato onde passei o
último momento de liberdade, disseram que eu deveria ter cuidado para
não polarizar o país. Que seria melhor calar certas verdades para não
tumultuar o ambiente político, para o PT não provocar uma ameaça à
democracia.
Vamos
deixar uma coisa bem clara: se existe um partido identificado com a
democracia no Brasil é o Partido dos Trabalhadores. O PT nasceu lutando
pela liberdade durante a ditadura. Não tentem negar essa verdade porque
nós apanhamos da repressão, fomos perseguidos, presos e enquadrados na
Lei de Segurança Nacional por defender essa ideia.
Desde
que foi criado, há quase 40 anos, o PT disputou dentro da lei e
pacificamente todas as eleições neste país. Quando perdemos, aceitamos o
resultado e fizemos oposição, como determinaram as urnas. Quando
vencemos, governamos com diálogo social, participação popular e respeito
às instituições.
Outros
partidos mudaram as regras da reeleição em benefício próprio. Nós
rejeitamos essa ideia, mesmo gozando de uma aprovação que nenhum outro
governo jamais teve, porque sempre entendemos que não se pode brincar
com a democracia.
Não
fomos nós que falamos em fechar o Congresso, muito menos o Supremo, com
um cabo e um soldado. Em nossos governos, as Forças Armadas foram
respeitadas e os chefes militares respeitaram as instituições, cumprindo
estritamente o papel que a Constituição lhes reserva. Nenhum general
deu murro na mesa nem esbravejou contra líderes políticos.
Não
fomos nós que pedimos anulação do pleito só para desgastar o partido
vencedor; que sabotamos a economia do país para forçar um impeachment
sem crime; que sustentamos uma farsa judicial e midiática para tirar do
páreo o candidato líder nas pesquisas.
Não
fomos nós os responsáveis, ativos ou omissos, pela eleição de um
candidato que tem ojeriza à democracia; que foi poupado de enfrentar o
debate de propostas, que montou uma indústria de mentiras com dinheiro
sujo, sob a complacência da mesma Justiça Eleitoral que, desacatando uma
decisão da ONU, cassou o candidato que poderia derrotá-lo.
São
essas pessoas que agora nos dizem para não polarizar o país. Como se
polarização fosse sinônimo de extremismo político e ideológico. Como se o
Brasil já não estivesse há séculos polarizado entre os poucos que têm
tudo e os muitos que nada têm. Como se fosse possível não se opor a um
governo de destruição do país, dos direitos, da liberdade e até da
civilização.
Aos que
criticam ou temem a polarização, temos que ter a coragem de dizer: nós
somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em cima do muro ou
no meio do caminho: somos e seremos oposição a esse governo de
extrema-direita que gera desemprego e exige que os desempregados paguem a
conta.
Somos e
seremos oposição a um governo que rasga direitos dos trabalhadores e
reduz o valor real do salário mínimo. Que aumenta a extrema pobreza e
traz de volta o flagelo da fome. Que destrói o meio ambiente. Que ataca
mulheres, negros, indígenas e a população LGBT; ataca qualquer um que
ouse discordar.
Somos,
sim, radicais na defesa da soberania nacional, da universidade pública e
gratuita, do Sistema Único de Saúde, público, gratuito e universal. Nós
não somos meia oposição; somos oposição e meia aos inimigos da
educação, da cultura, da ciência e da tecnologia. Nós não aceitamos mais
censura, tortura, AI-5 e perseguição a adversários políticos.
Andam
negando essa verdade científica, mas a Terra é redonda e nós estamos,
sim, em polos opostos: enquanto eles semeiam o ódio, nós vamos mostrar a
eles o que o amor é capaz de fazer por este país.
Companheiras e companheiros,
Já
foi dito que o PT nasceu para mudar o Brasil. E mudou. Porque trazemos
na origem o compromisso com os trabalhadores, com os mais pobres, com os
que carregaram ao longo de séculos o peso da exclusão e da
desigualdade. Porque pela primeira vez fizemos um governo para todos os
brasileiros e brasileiras, e isso fez toda a diferença em nosso país.
Se fosse para governar apenas para uma parte da população, o Brasil não precisaria do PT.
Para
o mercado decidir quem pode e quem não pode se aposentar, quanto vai
custar o gás de cozinha, o combustível, a energia elétrica, visando
somente o lucro, o Brasil não precisaria do PT.
Se
fosse para entregar ao estrangeiro as riquezas naturais, o petróleo, as
águas, as empresas que o povo brasileiro construiu, o Brasil não
precisaria do PT.
Se
fosse para queimar a floresta, envenenar a comida com agrotóxicos,
deixar impunes crimes como os de Marielle, Mariana, Brumadinho, ignorar
desastres como o óleo no litoral do Nordeste, quem precisaria do PT?
Para
o filho do rico estudar nas melhores universidades do mundo e o filho
do trabalhador ter de largar a escola pra sustentar a família, o Brasil
não precisaria do PT.
Se
é para alguns terem mansão em Miami e muitos viverem debaixo do
viaduto; para o rico ficar isento até do imposto de herança e o
trabalhador carregar o peso do imposto de renda, o Brasil não precisaria
do PT.
Para manter a
mais escandalosa concentração de renda do planeta Terra, para o rico
continuar cada vez mais rico e o pobre ficar cada dia mais pobre, aí
mesmo é que o Brasil não precisaria do PT.
Porque
o maior inimigo do Brasil hoje e desde sempre é a desigualdade, esse
vergonhoso fosso em que 1% da população detém 30% da renda nacional e
para a metade mais pobre sobram 17%, as migalhas de um banquete
indecente.
Mas se este
país quer superar a chaga imensa da desigualdade, recuperar a soberania
e o seu lugar no mundo, se quer voltar a crescer em benefício de todos
os brasileiros e brasileiras, o Partido dos Trabalhadores é mais do que
necessário: ele é imprescindível.
Esta
é a enorme responsabilidade que estamos recebendo. O Brasil nunca
precisou tanto do PT. E o PT tem de ser grande o bastante para
corresponder ao que o país espera de nós. Tem de estar unido, forte e
cada vez mais conectado com o povo brasileiro.
Temos
a responsabilidade de renovar o partido, compreender o que mudou na
sociedade brasileira nesses 40 anos e buscar as respostas para os novos
desafios. Fomos forjados na luta em defesa da classe trabalhadora.
O
peso da injustiça recai hoje sobre os motoristas de aplicativos, os
jovens que perdem a saúde e arriscam a vida fazendo entregas em motos,
bicicletas, ou mesmo a pé. Os que não têm a quem recorrer por seus
direitos, porque a única relação de trabalho que conhecem não é a
carteira profissional, mas um telefone celular que ele precisa
recarregar desesperadamente.
Esse
é o lugar que resta aos deserdados de um modelo neoliberal excludente,
cada vez mais desumano. Um mundo em que o mercado é deus e em que a
solidariedade deixa de ser um valor universal, substituída por uma
competição individualista feroz.
É
com esse mundo novo que o PT precisa dialogar, sem abrir mão de nossos
compromissos históricos, mantendo os pés firmes no presente e mirando
sempre o futuro. Se as formas de exploração mudaram, a injustiça e a
desigualdade permanecem e são cada vez mais cruéis. Temos de estar mais
organizados, mais fortes, conscientes e mais decididos do que nunca a
construir um país mais generoso, solidário e mais justo. É por isso que o
Brasil precisa tanto do PT.
Companheiras e companheiros,
Salvar
o país da destruição e do caos social que este governo está produzindo
não é tarefa para um único partido. Fomos eleitos e governamos em
aliança com outras forças do campo popular e democrático. Por mais que
tentem nos isolar, estamos juntos na oposição com partidos da
centro-esquerda e estamos com os movimentos sociais, as centrais
sindicais e importantes lideranças da sociedade.
Embora
tantos tenham cometido erros antes e depois dos nossos governos, é
somente do PT que exigem a autocrítica que fazemos todos os dias. Na
verdade, querem de nós um humilhante ato de contrição, como se
tivéssemos de pedir perdão por continuar existindo no coração do povo
brasileiro, apesar de tudo que fizeram para nos destruir. Preciso dizer
algumas verdades sobre isso.
O
maior erro que nós cometemos foi não ter feito mais e melhor, de uma
forma tão contundente que jamais fosse possível esse país voltar a ser
governado contra o povo, contra os interesses nacionais, contra a
liberdade e a democracia, como está sendo hoje.
Deveríamos
ter feito mais universidades do que fizemos, mais reforma agrária, mais
Luz Pra Todos, mais Minha Casa Minha Vida, mais Bolsa Família e mais
investimento público.
Teríamos
de ter conversado muito mais com o povo e com os trabalhadores,
conversado mais com os jovens que não viveram o tempo em que o Brasil
era governado para poucos e não para todos.
Também
tínhamos de ter trabalhado muito mais para democratizar o acesso à
informação e aos meios de comunicação, apoiado mais as rádios
comunitárias, fortalecido mais a televisão pública, a imprensa regional,
o jornalismo independente na internet.
Antes
que a Rede Globo me acuse outra vez pelo que não disse nem fiz, não
ousem me comparar ao presidente que eles escolheram. Jamais ameacei e
jamais ameaçaria cassar arbitrariamente uma concessão de TV, mesmo sendo
atacado sem direito de resposta e censurado como sou pelo jornalismo da
Globo.
Eu sempre
disse que jamais teria chegado onde cheguei se não tivesse lutado pela
liberdade de imprensa. Hoje entendo, com muita convicção, que liberdade
de imprensa tem de ser um direito de todos, não pode ser privilégio de
alguns.
Não pode um
grupo familiar decidir sozinho o que é notícia e o que não é, com base
unicamente em seus interesses políticos e econômicos.
Entendo
que democratizar a comunicação não é fechar uma TV, é abrir muitas. É
fazer a regulação constitucional que está parada há 31 anos, à espera de
um momento de coragem do Congresso Nacional. É fazer cumprir a lei do
direito de resposta. E é principalmente abrir mais escolas e
universidades, levar mais informação e consciência para que as pessoas
se libertem do monopólio.
Enfim,
penso que teríamos de ter lutado com mais vontade e organização,
fortalecido ainda mais a democracia, para jamais permitir que o Brasil
voltasse a ter um governo de destruição e de exclusão social como voltou
a ter desde o golpe de 2016.
A
autocrítica que o Brasil espera é a dos que apoiaram, nos últimos três
anos, a implantação do projeto neoliberal que não deu certo em lugar
nenhum do mundo, que vai destruir a previdência pública e que ao invés
de gerar os empregos que o povo precisa está implantando novas formas de
exploração.
A
autocrítica que a democracia e o estado de direito esperam é daqueles
que, na mídia, no Congresso, em setores do Judiciário e do Ministério
Público, promoveram, em nome da ética, a maior farsa judicial que este
país já assistiu.
O mundo hoje sabe que, ao contrário de combater a impunidade e a corrupção, a Lava Jato corrompeu-se
e corrompeu o processo eleitoral e uma parte do sistema judicial
brasileiro. Deixou impunes dezenas de criminosos confessos que Sérgio
Moro perdoou e que continuam muito ricos.
Como
podem dizer que combateram a impunidade se soltaram pelo menos 130 dos
159 réus que ele mesmo havia condenado? Negociaram todo tipo de
benefício com criminosos confessos, venderam até o perdão de pena que a
lei não prevê, em troca de qualquer palavra que servisse para prejudicar
o Lula.
Que ética é
essa que condena 2 milhões de trabalhadores, sem apelação, destruindo
empresas para salvar os patrões acusados de corrupção?
Não
tem moral, não tem autoridade para discutir ética quem deu cobertura
aos procuradores de Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot quando eles
entregaram a Petrobrás aos tribunais dos Estados Unidos, um crime de
lesa-pátria que já custou quase 5 bilhões de dólares ao povo brasileiro.
Temos muito o que falar sobre ética, sobre combate à corrupção e à impunidade. Mas acima de tudo temos que falar a verdade.
Meus amigos e minhas amigas,
Alguns
professores de deus defendem um modelo suicida de austeridade fiscal e
redução do estado, que não deu certo em nenhum lugar do mundo. Tiveram o
apoio da mídia e das instituições para culpar os governos do PT por
tudo de ruim que havia no Brasil. Mentiram que tirando o PT do governo
tudo se resolveria, por obra do mercado e do ajuste fiscal. E os
problemas se agravaram ainda mais.
Os
indicadores econômicos do Brasil pioraram: a balança comercial em
queda, a economia paralisada, setores da indústria destruídos, o
investimento público e privado inexistente, o rombo nas contas aumentado
irresponsavelmente por razões políticas. O custo de vida dos pobres
aumentou e as pessoas voltaram a cozinhar com lenha porque não podem
comprar um botijão de gás.
É preciso dizer umas verdades sobre isso também.
A
primeira delas é que o Brasil só não quebrou ainda por causa da herança
dos governos do PT. Por causa dos 370 bilhões de dólares em reservas
internacionais que acumulamos e querem queimar na conta dos juros. Por
causa dos mercados internacionais que abrimos e que uma política externa
irresponsável está fechando. Por causa do pré-sal que descobrimos e que
estão vendendo na bacia das almas.
O
Brasil só não está passando por uma convulsão social extrema por causa
da herança dos governos do PT. Porque não conseguiram acabar com o Bolsa
Família, último recurso de milhões de deserdados. Porque milhões de
famílias ainda produzem no campo, para onde levamos água, energia,
tecnologia e recursos em nosso governo. E também porque não conseguiram
destruir ainda os sistemas públicos de saúde, educação e segurança, mas
fatalmente isso irá ocorrer pela criminosa política de cortes do
investimento público.
Sempre
acreditei que o povo brasileiro é capaz de construir uma grande Nação, à
altura dos nossos sonhos, das nossas imensas riquezas naturais e
humanas, neste lugar privilegiado em que vivemos. Já provamos que é
possível enfrentar o atraso, a pobreza e a desigualdade, desafiando
poderosos interesses contrários ao país e ao povo.
Soberania
significa independência, autonomia, liberdade. O contrário é
dependência, servidão, submissão. É o que está acontecendo hoje. Estão
entregando criminosamente a outros países as empresas, os bancos, o
petróleo, os minerais e o patrimônio que pertence ao povo brasileiro.
Trair a soberania é o maior crime que um governo pode cometer contra seu
país e seu povo.
A Petrobrás está sendo vendida em fatias a suas concorrentes estrangeiras.
Fiquem
alertas os que estão se aproveitando dessa farra de entreguismo e
privatização predatória, porque não vai durar para sempre. O povo
brasileiro há de encontrar os meios de recuperar aquilo que lhe
pertence. E saberá cobrar os crimes dos que estão traindo, entregando e
destruindo o país.
Tão
importante quanto defender o patrimônio público ameaçado é preservar os
recursos naturais e nossa riquíssima biodiversidade. Utilizar esse patrimônio, fonte de vida, com responsabilidade social e ambiental.
Um
país que não garante educação pública de qualidade a todas as suas
crianças, adolescentes e jovens não se prepara para o futuro.
Mas parece que enfiaram o Brasil à
força numa máquina do tempo e nos enviaram de volta a um passado que a
gente já tinha superado. O passado da escravidão, da fome, do desemprego
em massa, da dependência externa, da censura, do obscurantismo.
O
Brasil precisa embarcar de volta para o futuro. E não tem ninguém
melhor para pilotar essa máquina do tempo do que a juventude desse país.
Porque essa juventude, seja ela branca, negra ou indígena, ela quer
ensino de qualidade, quer adquirir conhecimento, quer de volta as
oportunidades de trabalho digno, sem alienação e sem humilhações.
Essa juventude quer e merece um mundo melhor do que este em que estamos vivendo.
Hoje
me coloco à disposição do Brasil para contribuir nessa travessia para
uma vida melhor, vida em plenitude, especialmente para os que não podem
ser abandonados pelo caminho.
Sem
ódio nem rancor, que nada constroem, mas consciente de que o povo
brasileiro quer retomar a construção de seu destino; de que temos de
fazer juntos um Brasil soberano, democrático, justo, em que todos e
todas tenham oportunidades iguais de crescer e sonhar.
O futuro será nosso, o futuro será do Brasil!
Muito Obrigado!Luiz Inácio Lula da Silva”