O PSL, partido que a senhora acabou de deixar, vive uma crise sem precedentes. O que há por trás da guerra interna?
O partido não foi construído de maneira organizada. Há dirigentes
partidários que não querem sair porque não desejam perder o fundo
partidário, há outros mais colados ao presidente Bolsonaro que o
acompanham independente da sigla, e há os que pertencem realmente ao
PSL, sob a batuta do deputado Luciano Bivar, mas está em minoria. Isso
não vai se sustentar como está. Depois da briga atual, esse quadro vai
mudar e um desses três grupos vai acabar prevalecendo sobre os outros.
Mais do que por discussões ideológicas, a desavença entre Bolsonaro e
Bivar é pelo controle do dinheiro para campanhas eleitorais?
Exatamente. O partido ficou poderoso por conta do dinheiro auferido
com a eleição e agora as pessoas que querem deixar a sigla pensam duas
vezes: sair de um partido rico e ir para onde? E o dinheiro para as
eleições do ano que vem? O que eu tenho visto por aí é que nenhum desses
grupos está preocupado com o futuro, com os interesses partidários.
Todos só pensam no dinheiro que ele gera.
Os preparativos para a campanha da reeleição em 2022 estão pesando?
Pelo que tenho visto, ele se desentendeu com o Bivar por
causa disso. Não tenho acompanhado de perto dessa briga. Afinal, acabo
de deixar o PSL para ingressar no Podemos.
A senhora deixou o PSL depois de ríspida discussão com o senador
Flávio, filho do presidente, que lhe telefonou à noite, falando
palavrões. Ele foi grosseiro?
Eu gostaria de esquecer aquele episódio. Ele me ligou por volta das
22h, muito alterado, aos berros, dizendo aqueles palavrões que todos já
sabem (“você quer me foder?”), apenas porque assinei a lista da CPI da
Lava Toga. Eu falei: ‘fala mais baixo; você não está falando com tuas
negas’. Ele foi deselegante. Não sou nada dele. Pedi para ele baixar o
tom e ele não baixou. Então desliguei. Telefonei em seguida para a
senadora Soraya (Thronicke, do PSL-MS), que também já havia ficado 40
minutos com ele ao telefone. Flávio também queria convencê-la a retirar a
assinatura. O mesmo aconteceu com o senador Major Olímpio, que também
recebeu uma ligação dele. Só que o Major Olímpio respondeu à altura,
diferente de mim.
Deixou o PSL só por isso?
O PSL ficou de mãos atadas para defender o combate à corrupção
exatamente por essa postura do Flávio. Ele só quer livrar a pele dele lá
no Rio. E isso foi me incomodando.
A senhora saiu também em meio à confusão em torno dos laranjais de
Pernambuco e de Minas Gerais. Afinal, por que o ministro do Turismo não é
demitido?
Acredito que o presidente está aguardando uma definição da Justiça.
Deve estar satisfeito com o trabalho dele e não vai tomar uma medida
drástica antes que a própria Justiça se posicione.
A senhora também não o demitiria então?
Eu sou outra pessoa. Sempre tive um trato muito sério com as pessoas
que trabalham comigo, no sentido da transparência e do não envolvimento
com corrupção. A gente sabe que pode haver injustiças, mas eu não sou se
ficar passando a mão na cabeça de ninguém.
Mas o MPF até já o denunciou à Justiça…
Eu também fui denunciada por caixa dois da campanha do ano passado,
não é? No meu caso, tudo de forma improcedente. Eu não fiz caixa dois.
Os gastos questionados foram feitos em março e abril e nem havia
campanha ainda. Não pode haver caixa dois em período da pré-campanha.
Mas aqui no Mato Grosso há uma “lei” dizendo que isso é caixa dois.
A senhora se sente injustiçada pelo processo que chegou a pedir a cassação do seu mandato pelo TRE do MT?
Com certeza (ela vai recorrer ao TSE). Quando a gente sabe que alguém
se meteu em encrenca, eu digo: tchau. Mas, no meu caso, houve armação
da política local. Eu fui juíza por 22 anos aqui no Mato Grosso
combatendo corrupção. As pessoas de uma das organizações criminosas que
eu prendi foram responsáveis por essa armação. O juiz que me julgou é
intimamente ligado ao ex-governador que eu prendi e o juiz que julgou as
minhas contas era advogado do ex-governador.
Quem são eles?
O ex-governador é o Silval Barbosa e o juiz é Ulisses Rabaneda, da Justiça Eleitoral aqui do Mato Grosso.
Falando em corrupção no Judiciário, por que a CPI da Lava Toga não é aprovada?
Há uma força contrária muito grande. Tem uma resistência forte, com
cartas pesadíssimas jogadas na mesa. A gente sabe que isso não é
brincadeira e se não houver um empenho significativo da nossa parte, não
conseguiremos apurar nada nos próximos quatro anos.
Mas de onde partem as pressões? De senadores poderosos, de ministros do STF, do presidente Bolsonaro?
Vem de todos os lugares. A gente tem várias pessoas, com interesses
diferentes, que se uniram para se proteger. Um determinado político se
protege com a ajuda de determinado ministro do STF. Faz parte de uma
corrente suja.
Essa corrente suja está no STF também?
Há pelo menos dois ou três ministros do STF que eu diria ser muito
provável que estejam envolvidos nessa corrente suja, mas eu sempre gosto
de preservar as instituições, porque eu também já fui juíza e sei que a
gente não pode jogar todo mundo na vala comum. Reconheço também que lá
tem muita gente honesta, trabalhadora e que está passando vergonha
alheia e não aguenta mais. A gente precisa vencer esse obstáculo de
precisar de uma assinatura a mais. A gente instaura a CPI e depois vem o
presidente do Senado e resolve colocar algum componente na comissão que
vai abafar tudo.
Acha que Bolsonaro quer abafar a CPI para proteger o filho e senador Flávio por causa dos malfeitos no Rio?
Isso é o que tem sido denunciado por colegas e eu lamentaria se fosse
verdade. Eu acredito no Bolsonaro, continuo querendo muito que ele dê
certo. Para mim, é doloroso pensar que isso seja verdade. Tínhamos
esperança em dias melhores até meses atrás.
Como a senhora está vendo o futuro da Lava Jato?
Vou trabalhar para que a operação não acabe, mas estamos a um pé do
abismo. Se o STF disser que o ministro Sergio Moro é suspeito para
julgar a lava Jato e quiser anular todos os processos, nós vamos passar
uma vergonha internacional, que nunca mais nos recuperaremos. A Lava
Jato está sob fogo cerrado. Essa não será a última investida que farão.
Ainda haverá outras coisas, mas estamos muito atentos ao que está
acontecendo, inclusive junto ao novo Procurador-Geral da República,
Augusto Aras, que foi eleito com nosso voto, para fortalecer a Lava Jato
e não deixá-la ruir.
Se o STF decidir pelo fim da prisão em segunda instância será um golpe mortal na Lava Jato?
Será um grande abalo, quase uma pá de cal. Mas pá de cal mesmo será julgar o ex-juiz Sergio Moro como suspeito.
E essa questão do delator falar primeiro do que o delatado, o que muda para a Lava Jato?
Foi um dos tiros que a operação levou nos últimos tempos. Ela foi
bombardeada de todos os lados. Precisamos agora ficar mais atentos. O
nosso grupo ‘Muda Senado’ está trabalhando muito, fazendo pautas
positivas. O problema é que as duas últimas semanas foram mortas no
Congresso: não se votou a Previdência, não se faz mais nada, e houve
muito toma-lá-dá-cá.
Isso aconteceu em torno da divisão dos recursos bilionários da cessão onerosa do Pré-Sal?
Houve toma-lá-dá-cá principalmente com a votação da própria Reforma
da Previdência. Para nós, não ofereceram nada, porque sabem que iríamos
denunciar. Foram liberados valores monstruosos de emendas para quem
votasse a favor. A gente não se envolveu nisso.
Ofereceram só emendas parlamentares ou dinheiro de caixa dois para campanhas?
Emendas, né! Você sabe como as emendas se transformam em caixa dois? O
dinheiro vai para a empreiteira fazer obras e depois devolvem parte do
dinheiro como caixa dois. A gente viu isso na Lava Jato.
Quando a senhora decidiu deixar o PSL, pesou o fato de o partido do
presidente ter assumido bandeiras de um partido de extrema-direita?
Eu sou contra qualquer extremo. A extrema-direita é de uma burrice
sem fim. A linha da minha campanha foi clara: não sou contra o casamento
gay, não acho o homossexualismo seja uma doença, não tem que jogar esse
povo na fogueira. Eu até levava umas chamadas do partido por isso. E eu
não criticava os homossexuais, pronto e acabou. Então, acho que minha
saída do PSL foi até benéfica.
A senhora saiu do PSL, mas continua apoiando o presidente?
Sim, apoio as pautas que não sejam da extrema-direita. Mas com
relação ao armamento eu apoio. Aqui no meu estado todo mundo tem arma.
Eu tenho e nunca matei ninguém. Apoio também a escola sem partido: não
dá para ver uma criancinha vestida de vermelho, em assentamentos da
Incra, cantando “eu sou sem-terrinha”. Não tem que ter doutrinação das
crianças nas escolas.