Corolla, Hilux e Mercedes: deputados gastam R$ 9 mi alugando carros de luxo

Toyota Corolla GLi, modelo alugado por Alex Santana (PDT-BA) - Murilo Góes/UOL 
Hilux, Corolla, Mercedes, Jeep Compass. É em carros de luxo alugados a valores acima da média de mercado que alguns parlamentares circulam por Brasília e seus estados de origem. Ao todo, 313 deputados federais gastaram R$ 9,3 milhões com o aluguel de carros nos seis primeiros meses de 2019, o suficiente para comprar cem Corollas zero km ou alugar 4.690 carros a R$ 2.000 cada um.
O aluguel de picapes, SUVs e sedãs de alto padrão segue o mesmo roteiro: parlamentares dispensam as grandes empresas do setor para, com dinheiro público, contratar locadoras desconhecidas. Algumas têm atividades simultâneas bem distintas, como odontologia, geologia e aluguel de veículos. Uma delas funciona no mesmo endereço de um motel.
Em média, os 313 parlamentares que optaram pelo aluguel (200 não alugam) gastaram R$ 30 mil cada um em locações no primeiro semestre. Se cada parlamentar optasse pela diária de um carro popular zero quilômetro com ar-condicionado, seria possível alugar o mesmo veículo por 256 dias a R$ 117 ao dia, incluído seguro e taxa de aluguel de 12%.
A reportagem também cotou os carros alugados por alguns deputados em três grandes empresas e comparou os valores.
O campeão de gastos é Ricardo Teobaldo (Pode-PB), com média de R$ 10.594 reembolsados pela Câmara todo mês com aluguel de carro. Em seis meses, gastou R$ 63,5 mil. Em janeiro, por exemplo, desembolsou R$ 8.000 por um Jeep Compass branco do ano de 2018. Nos meses seguintes, passou a alugar dois carros, uma Hilux vermelha 2018, pela qual paga R$ 7.700 por mês, e um Corolla 2019, por R$ 5.000.
A cotação feita pelo UOL estimou em R$ 6.600 o aluguel de uma Hilux modelo 2019, R$ 1.100 mais barato e um ano mais novo. Outra cotação cravou R$ 5.200 pelo aluguel mensal do veículo, R$ 2.500 mais em conta. O Jeep Compass foi avaliado em R$ 3.600 em uma locadora e em R$ 4.800 em outra. Já o Corolla 2019 ficaria R$ 1.500 mais barato: R$ 3.503.
Na imagem ilustrativa, um Toyota Hilux, um dos carros alugados por Ricardo Teobaldo (Pode-PB) -
Na imagem ilustrativa, um Toyota Hilux, um dos carros alugados por Ricardo Teobaldo (Pode-PB)
Em resposta à reportagem, Teobaldo afirma em nota que o Jeep foi utilizado em "deslocamentos dentro de Pernambuco" e que "atendeu todos os requisitos" da Mesa Diretora da Câmara sobre a utilização da cota parlamentar.Responsável pelos aluguéis, o gerente comercial da ASP Empreendimentos, Humberto Cordeiro Paiva, diz que o preço "não está acima do valor de mercado". "É um carro de luxo. O seguro é altíssimo e, sobretudo, com quilometragem livre. O deputado pode fazer viagens curtas ou viajar o Brasil todo."
Já o deputado João Campos (PRB-GO) circula todos os dias em uma Chevrolet S10 ano 2019 com cabine para cinco passageiros. A Câmara reembolsa o deputado em R$ 10 mil todo mês pelo aluguel do veículo, embora ele tenha sido avaliado em R$ 6.600 pelas locadoras consultadas pelo UOL.
O deputado contratou a Efraim Locadora de Automóveis, que não funciona no endereço informado à Receita Federal. No local, atua uma empresa de contabilidade, que passou o contato do proprietário da Efraim, mas ele não atendeu o telefone nem respondeu o email encaminhado pela reportagem.
Daniel Coelho (Cidadania-PE) alugou três carros no Recife entre 15 de abril e 15 de maio. Ele foi reembolsado em R$ 12.700 por um Gol (R$ 3.400), um Fox (R$ 4.300) e um Jetta (R$ 5.000). Procurado, o atendimento da Marolinda Locação informou que a empresa "nunca trabalhou" com Fox e Jetta. "Só trabalho com Onyx, Gol e Ka. Custam R$ 1.600 por mês."
Jeep Compass foi alugado por R$ 8.000 (imagem ilustrativa) - Redação
Jeep Compass foi alugado por R$ 8.000 (imagem ilustrativa)
Imagem: Redação
Ao UOL, o deputado informou por meio de nota que "os carros são usados pelos funcionários de gabinete para as diversas atividades relacionadas ao mandato" e que os modelos foram escolhidos em razão da "constante necessidade de viagens entre os mais de 184 municípios de Pernambuco" para "o exercício das prerrogativas parlamentar".A Marolinda encaminhou nota afirmando que "possui apenas um veículo de cada [Jetta e Fox] e que se encontram à disposição do gabinete do deputado Daniel Coelho". Os valores para o carro —com seguro total, guincho ilimitado, proteção contra sinistro, furto, roubo, incêndio e fenômenos da natureza, carro reserva e cobertura de terceiros— "estão equivalentes aos usados pelas locadoras do Recife".
Desde fevereiro, o deputado Nereu Crispim (PSL-RS) aluga dois carros por mês, pelos quais é reembolsado entre R$ 12,4 mil e 12,6 mil: sempre um SUV Toyota RAV4 modelo 2013 (R$ 7.163) e um Corola XRS (R$ 5.500) do mesmo ano. Embora as locadoras consultadas não aluguem a SUV da Toyota, um Corolla GLI 2019 (seis anos mais novo) sai por R$ 3.503 e o modelo XEI 2016 é alugado por R$ 1.900 por mês.
Já o deputado João Marcelo Souza (MDB-MA) gastou R$ 62,2 mil em carros nos seis primeiros meses do ano. Seu preferido é uma Ford Ranger prata modelo 2019. Apesar de pagar R$ 7.600 por mês à Duval Distribuidora de Veículos e Peças, os atendentes da empresa afirmaram ao UOL que ela "não faz aluguel de carro". "Desconheço essa informação", afirmou um deles.
O deputado afirmou em nota que "o atendente não transmitiu a informação correta". "O deputado viaja praticamente todo final de semana para diferentes municípios do Maranhão, circulando por rodovias federais, estaduais e estradas vicinais. Por isso, não falamos aqui em luxo, mas sim em segurança, já que uma caminhonete (pick-up) é o veículo mais indicado às suas necessidades."
Mercedes-Benz C180 foi alugado em janeiro (imagem ilustrativa) - Murilo Góes/UOL
Mercedes-Benz C180 foi alugado em janeiro (imagem ilustrativa)
Imagem: Murilo Góes/UOL
André Abdon (PP-AP) contratou a L.C Dunnincham Leitão Junior-ME para contratar por R$ 7.280 uma Amarok 4X4, apesar de a empresa oferecer outros dois modelos mais em conta. O Grand Siena custa R$ 3.600 e o Polo sai por R$ 3.900, segundo o próprio dono da empresa, Luiz Carlos Junior, que confirmou as informações ao UOL. "A sede fica no Motel Scorpion, minha outra empresa."Em janeiro, o deputado Alex Santana (PDT-BA) alugou uma Mercedes 2016 por R$ 7.000 e um Corolla GLI 2016 por R$ 4.000, mas a partir de fevereiro trocou por um Corolla XEI 2016 a R$ 3.200 e uma Hilux zero km, pela qual é reembolsado mensalmente em R$ 9.500.
As locadoras consultadas não alugam o modelo C180 da Mercedes. A opção é o modelo GLA 200 ano 2018, modelo 2019: sai por R$ 7.852 em uma locadora e R$ 4.600 em outra. Já um Corolla XEI 2017 pode ser alugado por R$ 1.900 e a Hilux foi cotada a R$ 6.600 por uma locadora e a R$ 5.200 por outra.
Em nota, Santana afirma que "a escolha dos carros obedeceu a critérios pessoais de resistência, segurança e melhor custo-benefício". "A locação foi realizada dentro da legalidade e em consonância com todas as regras preconizadas na Câmara Federal."
Procurados, os deputados André Abdon, Nereu Crispim e João Campos não responderam ao UOL até a última atualização desta reportagem.

Gasto não é ilegal

O dinheiro gasto com o aluguel de carros faz parte da cota parlamentar, um valor mensal destinado a custear os gastos exclusivamente vinculados à atividade de mandato.
A verba pode ser gasta com passagens aéreas, telefonia, serviços postais, manutenção de escritório e aluguel de carros e embarcações, por exemplo.
"Este é mais um exemplo daqueles privilégios que não são ilegais, mas são imorais", afirma Renato Dias, diretor-executivo do Ranking dos Políticos. "Como 'está na lei', não poderíamos questionar. O que precisamos é dar visibilidade para este tipo de coisa, para que a população questione e pressione o parlamentar a ser mais responsável no uso do dinheiro público."
Sobre a dificuldade de encontrar algumas empresas responsáveis pelo aluguel dos veículos a parlamentares, Dias afirma que falta à Lei de Acesso à Informação uma "padronização" sobre como os entes do Estado devem prestar contas. "Do contrário, fica muito fácil colocar as informações de forma dissimulada, sem que a devida checagem possa ser feita. É o caso dessas empresas, que mais parecem fachadas para negócios irregulares."