Comunidade brasileira em Israel se decepciona com cancelamento de encontro

AFP

Comunidade que votou massivamente em Jair Bolsonaro perdeu ontem a chance de conhecer ao vivo o presidente que ajudou a eleger.

O último compromisso de Bolsonaro em Israel, de onde decola amanhã, seria um café da manhã na pequena Ra'anana, a 20 km ao nordeste de Tel Aviv. A cidade de cerca de 80 mil habitantes abriga a maior comunidade brasileira no país judaico. Nas eleições de 2018, 77,27 dos brasileiros em Israel votaram em Jair Bolsonaro.

Ao menos 200 famílias brasileiras vivem hoje em Ra'anana, fora os que se deslocam até ali para participar de encontros e eventos na sinagoga Kehilat Or Israel, fundada pelo rabino paulistano Ivo Zilberman e que congrega os brasileiros-israelenses na região. A sinagoga era responsável por organizar o evento de terça, com o apoio da prefeitura.

Mas já na segunda à noite a comitiva presidencial anunciou que o encontro, para o qual eram esperadas 250 pessoas, não iria mais acontecer. O motivo alegado foi a falta de segurança. Como contrapartida, cerca de 30 integrantes da organização do evento foram convidados a se encontrar com Bolsonaro em seu hotel, em Jerusalém, na noite de hoje.

"Isso é uma besteira sem tamanho. Todos os integrantes, todas as pessoas que foram confirmadas, a gente conhecia. Realmente é uma pena", desabafa a gerente de vendas Sharon Abadi, integrante da diretoria da comunidade.

O engenheiro aeronáutico A.G., que preferiu não se identificar, reverbera sua frustração: "Criamos uma expectativa, lógico, para conhecer o capitão, o mito. Pelo menos de longe. Foi uma decepção total".

Para ele, o cancelamento se deve, na verdade, a manifestações feitas por brasileiros-israelenses que se opõem a Bolsonaro. "Israel consegue controlar multidões e não vai conseguir controlar 250? Acho que o evento não aconteceu por causa da oposição", diz.

Rabino na sinagoga Kehilat Or Israel, Eliahu Bortman adota tom mais conciliador. "O presidente passou por um atentado, estava preocupado com a segurança, não tinha como verificar todo mundo", diz.

O desenvolvedor de blockchain Leonardo Majowka, embora decepcionado com o cancelamento, também diz entender a mudança de agenda. "Ra'anana é tão pequena, é como se o presidente americano Donald Trump fosse ao Brasil e visitasse Teresópolis. Ele fez uma viagem muito cansativa e precisa descansar. Entendemos isso e esperamos que ele venha em outra visita."

Majowka fez campanha ativa para o atual presidente no período eleitoral. Segundo conta, era dono da página Bolsonaro Zuero 3.0., em que compartilhava memes, notícias e enquetes favoráveis ao seu candidato --ou desfavoráveis à oposição. O desenvolvedor diz que a página foi fechada duas vezes pelo Facebook, sem explicações. Os critérios da rede social para derrubar perfis e contas são públicos e abordam diversos tópicos, como violência, bullying e discurso de ódio.
Evento foi organizado por WhatsApp

Segundo explica Abadi, a comunidade da sinagoga Kehilat Or Israel enviou a Bolsonaro, no dia 18 de março, uma carta-convite, assinada pelo prefeito de Ra'anana, por intermédio da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que integra a comitiva brasileira em Israel.

"Depois de uns dias, recebemos a confirmação dessa visita e começamos a organizar o evento em contato com algum cerimonial do presidente", conta a gerente de vendas, que migrou para Israel há seis anos.

A prefeitura de Ra'anana cedeu então o espaço para o encontro, um centro cultural local voltado para música, e a comunidade ficou responsável pelos convidados. Tal qual faz o presidente, seus eleitores também se organizaram essencialmente por WhatsApp.

"Soltamos o convite em um grupo que temos. Não sabíamos se as pessoas viriam, se deixariam de ir para o trabalho, o rabino achava que não. Mas o anúncio viralizou, passou de um para o outro e, em muito pouco tempo, tivemos 500 inscritos. Foi o maior bafafá", completa Abadi. Segundo ela, devido ao limite de espaço, as pessoas mais ativas na comunidade foram selecionadas.

Dias depois, a mesma rede social espalhava a mensagem de que o evento não aconteceria mais.

"A expectativa era grande. A gente trabalhou bastante durante uma semana. Algumas pessoas marcaram reuniões. É uma cidade pequena, de 80 mil pessoas, ter o presidente era muito interessante", comenta o rabino Eliahu Bortman.

O engenheiro aeronáutico A.G., que não chegou nem sequer a ser selecionado para o encontro, culpabiliza a organização por não conseguir encontrar seu ídolo. "Acho que foi mal organizado. Primeiro, um evento organizado na cidade e não veio nenhum assistente de Bolsonaro. Depois, conheço todo mundo aqui e não sei de nenhuma pessoa que foi selecionada", diz.

A agenda original do presidente previa que Bolsonaro chegasse a Ra'anana por volta das 9h30 (3h30 do horário de Brasília) de terça, onde ficaria por cerca de uma hora. De lá, iria direto para o aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv. Seu pouso na capital, esperado para as 20h40, deve acontecer agora duas horas mais cedo.
Brasileiros em Israel voltam às urnas no dia 9

Brasileiros-israelenses que falaram à reportagem veem com bons olhos os primeiros meses do governo Bolsonaro, assim como a aproximação entre seu governo e o do país que escolheram para viver.

No geral, eles destacam a tecnologia de segurança como grande vantagem das negociações feitas. "Um país pode ajudar muito o outro, no sentido de combater a criminalidade. No Brasil, o número de assassinatos são absurdos e em Israel possuímos tecnologia muito avançada, que pode ajudar muito a polícia no Brasil", diz Majowka. O tema é preocupação para especialistas do conflito israelo-palestino, que veem nessa tecnologia um aparato de repressão.

Abadi destaca também as oportunidades de emprego que podem surgir do encontro. "A aproximação ao nosso ver é maravilhosa. Várias empresas vão olhar para cá e para o Brasil e vão precisar de comunicação. Ser uma brasileira que conhece as pessoas e a cultura local abre oportunidades de trabalho."

Já na semana que vem, a comunidade brasileira em Israel volta às urnas, dessa vez para participar das eleições israelenses. Mas, se por um lado seus integrantes se mostram fiéis ao presidente do Brasil, o mesmo não pode ser dito em relação ao premiê que o ciceroneou por Israel.

Há mais de dez anos no poder, Netanyahu está cercado de escândalos de corrupção e corre o risco de perder o posto de primeiro-ministro para o general oposicionista Benny Gantz, considerado mais de centro.

"Não apoio Netanyahu no geral, porque ele faz parte da velha política, e nós estamos dando preferência para políticos como Bolsonaro e Trump", diz Majowka.

Há, no entanto, quem minimize os escândalos. "Se você parar para analisar o nível das queixas, é uma piada. São coisas nanicas e sem importância, armadilha política da oposição. Não faz coceguinhas para a gente que conhece a corrupção no Brasil", diz Sharon Abadi.